Wednesday, June 21, 2006

O torneio dos campeões

Agora que estamos aqui todos parados, alguns de coração na mão por causa da pátria de chuteiras, veio em mente uma outra época de Copa.

Houve um tempo em que os homens do futebol decidiram não paralisar o calendário daqui por causa do campeonato mundial de seleções. Para ser mais exato, ano de 1982. Eu era um garoto, mal tinha catorze anos e adorei.

A temporada tinha sido fechada com a brilhante conquista do bicampeonato brasileiro do Flamengo, em maio. Era um tempo em que quase a totalidade dos jogadores da seleção brasileira era composta por aqueles que atuavam em times brasileiros, ao contrário de hoje. Então, criaram o Torneio dos Campeões. Não lembro quais foram os critérios de convite para o certame, sim das equipes: as do Rio, São Paulo, Minas, Rio Grande. O objetivo era manter os times em atividade e conseguir alguma renda, já que não havia patrocínio nas camisas e transmissão pela televisão como hoje. Não tinha nem celular, ora: bastava orelhão com fichas.

Como era permitido jogar bola na geral do Maracanã, isso mesmo, levávamos uma dente-de-leite e fazíamos nossa própria preliminar, a turma do colégio da praia, Cícero Penna: eu, Chico, Luiz Cláudio, Cassiano, Bolaman, outros. Era “golzinho”, traves marcadas com embalagens de leitinho CCPL vendido por lá. A volta era de metrô, que ia até Botafogo; então, pegávamos o tal “integração”, que circulava por Copacabana e era chamado de “Mengão”, prateado com duas listras, vermelha e preta. Importante frisar que o ingresso era baratíssimo, quase o equivalente a uma passagem de ônibus da época. Tinha tricolor no jogo do Vasco, botafoguense torcendo pelo América; nem se podia cogitar que houvesse briga entra amigos por que um torcia para o time diferente do outro.

Estabeleci meu recorde de todos os tempos: fui ao estádio de domingo a domingo, sete jogos em sete dias, coisa que nunca mais vai acontecer.

Acharam que o Torneio dos Campeões ia ser um fiasco, abafado que seria pelos jogos da maravilhosa Seleção; como é sabido por todos, a Itália fechou nosso caminho e o então fiasco passou a ser nossa única diversão de jogo de bola.

Meu Tricolor foi mal; teve até enterro de dirigente no estádio, promovido pelo Seu Armando da Young-Flu, sábado à noite, Fluminense e Corinthians. O protesto deu certo: um ano depois, nosso supertime deu as caras e fomos tricampeões à frente.

O grande campeão? América, claro.
Pra você ver como eram as coisas de antigamente.
(Paulo Roberto Andel, 06/21/06)

Thursday, June 08, 2006

A Copa e o Maracanã

Hoje em dia, tudo corre com espantosa velocidade. Daí que os tempos e as gentes sofrem constantes translações. Com o futebol, também é assim.

Mais uma Copa do Mundo se aproxima. O Brasil fica estático, parado, hipnotizado pelas televisões e ondas de rádios. Tudo fica pequeno diante da suposta magnitude do evento, onde os melhores jogadores do mundo podem ou não desfilar seus melhores repertórios. Nelson, vivo fosse, enalteceria a “pátria de chuteiras” incessantemente.

E eu me sinto um completo estrangeiro neste assunto.

O futebol é meu oxigênio. Parreira, o treinador, um dos símbolos do clube que ostento na parte de dentro do peito. A Copa, o espetáculo maior. Evidentemente, gostarei da vitória, do sexto título mundial caso venha. É um momento de folga para um país tão sofrido e tão injusto para com seu povo.

Agora, quarenta dias sem Maracanã? Sem o Tricolor? A estrela, a cruz, o grande aliado?

Minha grande emoção em Copa do Mundo foi em 1986, tristeza não teve fim. Em 1982, o país chorou e eu fui com a petizada jogar bola na Lagoa. O time era tão bom que eu, ingenuamente pensei que ganharia facilmente quatro anos depois. Ledo engano. Nós, garotos, nunca temos a noção exata do nunca mais. Aquela confusão toda, os pênaltis, eu olhei para a tela e só então me veio o pensamento de quatro anos antes. Fui enganado por mim mesmo; achei que teria jeito e não teve, passou em branco para sempre. Foi a única vez que chorei por causa da nazionale. Dali em diante, resolvi que minha vida de bola focou-se para o Tricolor e seus aliados (não adversários, já que fazem parte do match). Esfriei. Encarei com naturalidade a derrota para Caniggia e Maradona; só não gargalhei porque, a meu lado, o velho Xuru rosnava sem fim. Na Copa da França, senti-me incomodado por aquele clima de certeza que os franceses tiveram na final; assisti a tudo com tranqüilidade, não me abalei.

A vitória de 2002 também não me falou ao coração. Achava o treinador um digno de pena que deu certo, foi bom pelo Ronaldo, ótimo rapaz. Não sei dizer o que acontece comigo ao certo: talvez porque os jogadores da seleção estejam longe do combalido futebol carioca; talvez em função de que esse negócio de seleção ficou muito além dos conceitos de popstar.

Em 1994, eu não tinha televisão em casa, e fui um dos únicos brasileiros a não assistir a peleja contra a Azzurra de Roberto Baggio. Pode?

É bom e desejável que a amarelinha borde sua sexta estrela. Torcerei, como milhões.

Agora, que não troco um bom clássico de Maracanã por nenhuma Copa do Mundo, é mais do que fato.

Clube é diferente de seleção. A seleção é uma circunstância, um momento. Bonito? Empolgante? Sim. Momento, de qualquer forma.

Quando, desgraçadamente, a seleção é eliminada, fica um clima de velório no Brazyl por uns dois ou três dias, o treinador é amaldiçoado, algum jogador é crucificado e, com pouca ampulheta, volta-se tudo ao normal. Seleção de novo? Só uns seis meses depois. O clube não, ele está em nossas vidas o tempo todo, todo instante. Você vai ao bar, tem o sujeito do outro time, ou você gritam ou se confraternizam. É quarta e domingo, é sábado de carnaval e até quase o Natal. Traduzindo e abusando do comportamento dos jovens, a seleção é uma “ficada”; clube é amor eterno, de casamento e vida feliz até mesmo nas derrotas.

Mais: quando a seleção vence, quem é que você buzina sacaneando na rua? Não tem o vizinho chato, o porteiro vibrante ou o padeiro quase sempre cruzmaltino. É todo mundo do mesmo lado. Vira unanimidade, celeiro de burrice definido pelo próprio e brilhante Nelson. Além do mais, somos fanáticos por futebol, mas nem um pouco nacionalistas – o espasmo do grito de gol não nos credencia suficientemente para tal comportamento.

Como última bala perdida, meu melhor estádio de futebol é o palco da pior derrota da seleção em todos os tempos.

De toda forma, boa sorte aos canarinhos, que não voem como os do tempo de Júnior.

Agora, para ver o fogo pegar circo, tem que ser futebol em Maracanã, com duas metades de cores e gritos diferentes. É disso que precisamos, é isso que a gente ama. A amarela é só um reflexo tênue desse amor.


Paulo Roberto Andel - 07/06/06







Friday, June 02, 2006

Domingo é dia de Fla-Flu!

Dia de luz, festa do sol! Já dizia a canção, clássico da bossa nova.

Ainda trago na memória, lá dos tempos da bossa nova, as tardes de domingo de sol e Fla-Flu. Lembro de certo alvoroço, de meu pai agitado, ouvindo o jogo pelo rádio da vitrola com meu avô e eu tentando entender e já começando a definir minhas cores de coração e como canta hoje a torcida tricolor no Maracanã: “A minha vida, a minha alma, o meu amor...”.

O Fla-Flu começa na semana anterior, quando termina a última partida. A semana que antecede ao clássico é recheada de comentários, dúvidas sobre escalações, especulações, frios na barriga, prognósticos e provocações. Nada mudou de lá pra cá. É como diz o locutor: “Lobo não come lobo”. A cidade fica mais elétrica do que já é normalmente, mais colorida.

É verdade que já tivemos tempos melhores, jogos mais técnicos, público maior no estádio, hoje reduzido em função de vários aspectos como violência, indefinição de horários e calendários, além da situação financeira da população. Mas Fla-Flu é Fla-Flu, sempre cercado de muita mística, superstições, polêmicas, emoções e tudo mais. O fim de semana do torcedor tricolor e rubro negro depende única e exclusivamente do resultado da peleja e já começa com o desfile de camisas no sábado, as provocações são sentidas nas ruas, nos bares, nos shoppings, nos supermercados, nas feiras de domingo, nos parques, em toda cidade. Eu, particularmente durmo e acordo pensando no jogo, é um compromisso inadiável para a tarde de domingo, sofrer com cada lance, ter dor de barriga, roer unhas.

Hoje, com a idade mais avançada e o coração mais cansado, prefiro ir ao Estádio e não sofrer com a narração pelo rádio, onde o sofrimento é ainda maior. Lembro das narrações do Jorge Cury e do Doalcey Camargo; eram de tirar o fôlego e fazer o coração disparar a cada lance de perigo. Nos Fla-Flus, não agüentava ouvir um gol do Flamengo narrado pelo Jorge Cury, pois ele gritava uns três minutos e eu abaixava o volume do rádio e já no gol do tricolor eu me vingava pois sabia de seu sofrimento. Do Doalcey, lembro do suspense para narrar o desfecho da jogada: Disparooouuu...gol!

Que angústia!

Saudosos locutores! Saudosos tempos!

São incomparáveis a beleza e emoção da festa no estádio. Lá a gente grita, xinga, canta, pula, sofre, chora, comenta o jogo com o cara do lado, que nunca vimos mais gordo, nos abraçamos na hora do gol, reclamamos do juiz a cada lance polêmico.

Ontem, no intervalo, o Flu vencia por um a zero e no banheiro, em pleno ato público/fisiológico de urinar, um verdadeiro debate sobre as falhas do time e possíveis substituições a serem feitas, discussões táticas e outras cositas mais. O juiz é sempre lembrado, é claro! Aquela cervejinha ajuda a relaxar um pouco, o segundo tempo sempre promete, um biscoito de vento cai bem, um Geneal também.

O Fla-Flu pode nem ser maravilhoso tecnicamente, como o de ontem, por exemplo, mas sempre movimentado e polêmico. Ontem, tivemos o lance da bola que saiu(?) na cobrança de escanteio, segundo o bandeirinha, que anulou o suposto gol do Flamengo. Castigo! Foi cobrado por um ex-tricolor e tinha que sair mesmo. Ouvi um comentário de um botafoguense pai de um amigo tricolor, ambos presentes ao Estádio, que antes mesmo da cobrança do tiro de canto já havia sacramentado: a bola vai fazer a curva e sair, pois vai ser alçada por um canhoto e está posicionada no canto externo da marca de cal. Comentário tecnicamente perfeito, digno de um torcedor atento, que bem poderia ser tricolor. Pra mim já vale, não foi gol e pronto!

O jogo era nervoso e o Flu ainda teve um jogador expulso no início do segundo tempo ficando a coisa ainda mais complicada. A emoção foi até o apito final do árbitro decretando a vitória tricolor. Não poderia ser diferente; era Fla-Flu.

Ao final, eu, meu irmão mais novo e meu pai, o grande responsável por essa paixão ainda juvenil e quase irresponsável que trago no peito, nos abraçamos e comemoramos a vitória sobre o arqui-rival, cantando o hino junto à torcida na saída pela rampa de acesso da UERJ. Olhava meu pai, hoje de cabeça branca, já dispensado do pagamento do ingresso e me lembrava de quantos jogos já estivemos juntos ali, tomados daquela mesma emoção, da emoção que não envelhece.

Meu pai sentenciou então: O meu fim de semana foi feliz! Faltava a vitória do tricolor!

Viva o futebol! Viva o futebol carioca! Viva o Fla-Flu!


Jocemar de Souza Barros.
29/05/06