Wednesday, November 24, 2010

SÃO PAULO 1 X 4 FLUMINENSE (21/11/2010)



A dois passos da vitória (22/11/2010)

Nem profecia, nem bruxaria, nem forças ocultas. Tudo muito claro e plausível, exceto para alguns doutores. Ontem, o Fluminense venceu o São Paulo por quatro a um e deu um passo gigantesco para o título brasileiro deste ano, beneficiado que também foi pelo previsível empate corinthiano em um gol contra o Vitória da Bahia, no Barradão. No encalço dos dois times, o perigoso Cruzeiro, que despachou o desmotivado Vasco por três a um. No fim das contas, hoje só um time depende de si mesmo para ser campeão brasileiro. O nome dele é Fluminense. Tem apenas um ponto à frente de seu adversário mais perto, pode-se dizer. Mas a questão principal é que para nós, um ponto é uma eternidade. Quantos não foram os títulos que ganhamos por conta de um ponto? Muitos, inclusive um outro centenário!

Eu e meus amigos fizemos uma viagem divertida até a simpática e colorida Arena Barueri, local da magnífica vitória sobre o tricampeão mundial. É claro que estávamos preocupados com o jogo, pois um erro seria fatal – e em vários momentos durante a partida, principalmente entre seu começo até o meio do segundo tempo, parecia que poderia acontecer algum desastre, tamanha a quantidade de gols que perdemos. Entre erros e acertos, Rogério Ceni – o paradigma atual do goleiro brasileiro – foi um gigante em campo, com várias grandes defesas. E Ricardo Berna não fez por menos: salvou um gol certo dos paulistas em grande defesa no canto esquerdo baixo. Gum abriu o marcador em bela cabeçada na primeira etapa; antes do tento, Washington teria desencantado se não estivesse impedido como sempre. E foi Gum que, no segundo tempo, fez um gol contra após letra de Lucas Gaúcho. E antes do empate são-paulino, que gerou até contrariedade em grande parte de sua torcida, o personagem tinha sido novamente Washington, ao perder mais um daqueles gols inacreditáveis e que, àquela altura, selaria a vitória do Tricolor. Aqui encerra um jogo: o que durou do apito inicial até o empate adversário. E qual foi outro? O que começou da saída de meio de campo até o apito final, quando um Fluminense guerreiro, vigoroso e demolidor adentrou o gramado, conquistou uma de suas maiores vitórias e mostrou que a sua centenária camisa jamais poderia ser menosprezada num momento de decisão. São centro e oito anos disputando e ganhando títulos, todos com a mesma marca: a dificuldade, o sacrifício, a dedicação. Todo Tricolor nasce órfão do favoritismo; para vencer, precisa jogar e lutar dobrado.

O Fluminense começou seu jogo, perdeu gols, marcou e manteve boa parte do tempo o placar mínimo. Quem disse que o São Paulo iria entregar a partida para prejudicar o Corinthians deve rever a atuação de Carlinhos Paraíba, que não deu um segundo de sossego ao Fluminense. E como explicar o golaço de Lucas Gaúcho, ajudado involuntariamente por Gum? E as defesas espetaculares de Ceni, mesmo tendo falhado no terceiro gol marcado por Fred? E a disposição do ex-zagueiro Tricolor Xandão em derrubar Fred para impedi-lo de marcar o segundo gol, sendo justamente expulso? Os entreguistas do futebol não podem depositar perícia e técnica nos pés de Conca, sem que ele tivesse nascido com tais atributos para o futebol: basta rever o belo segundo gol do Fluminense, o chute que gerou o terceiro gol e o golaço que fechou o placar. É um craque inconstestável.

Repito: foram dois jogos na mesma partida. Desde o empate do São Paulo, a tensão tomou conta da nossa arquibancada e, felizmente, o Fluminense mostrou a seguir porque é a águia do Atlântico Sul e não o cavalo paraguaio dos trôpegos analistas. Muricy foi à loucura com o gol perdido de Washington e imediatamente o sacou para a entrada de Rodriguinho. Mais tarde, foi Tartá quem veio a campo. Desse jeito, o Fluminense ficou mais rápido, leve, ofensivo e, não por sua culpa, facilitado pelas expulsões são-paulinas – Xandão e Richarlysson. Então, quando Conca virou o corpo e acertou o canto esquerdo de Ceni, sabíamos que se tudo desse certo no Barradão, a liderança voltaria às nossas mãos.

Ainda não falei de Deco. Fez sua melhor partida com nossa camisa – e que partida! Não errou um passe, driblou como quis; jogando mais recuado, não embolou com Conca e pôde mostrar seu requintado repertório de jogadas. E Fred? Ainda está fora de forma, mas é craque: logo, quando a bola lhe sorriu, não teve piedade e deixou a sua marca, no momento certo. Poderia ter feito um golaço de voleio em linda jogada no segundo tempo.

Não se ganha um tricampeão do mundo à toa por quatro a um, num momento decisivo e com absoluta autoridade. Certa vez, li que um grande são-paulino escreveu sobre aquela nossa vitória inesquecível na Libertadores, que serviu de réquiem para meu pai, dizendo que ninguém fazia três gols no São Paulo impunemente e que, quando fazia, merecia passar. Um texto de rara grandeza. Para golear um gigante como o São Paulo, é preciso estar à espreita da grande vitória, do título. É preciso ser poderoso na técnica e da força. É preciso estar preparado para conquistar. A dois jogos do fim do campeonato, o Fluminense é assim: um candidato preparado para o título. Nenhuma empáfia, meus amigos, longe disso; tão somente é a constatação de uma longa, centenária história cheia de capítulos como esse. Ninguém aqui dirá que o Fluminense será o grande campeão: não somos os mais-queridos da imprensa. Ficaremos como favoritinhos, lutaremos com todas as nossas forças e, se possível, gritaremos toda a nossa fé.

Esse foi um jogo de dez milhões de torcedores pelo Brasil afora. A alegria que nos toma é incomensurável. Esta partida pode ser resumida por diversos ângulos: a raça e o talento dos nossos craques em campo; o entusiasmo da nossa torcida; o clima que ronda as Laranjeiras. Eu, particularmente, elegeria dois: primeiro, a beleza continental e avassaladora envolta no semblante tranqüilo da atriz Letícia Spiller que, despreocupadamente, ocupava as arquibancadas da Arena Barueri em admirável gravidez. Segundo, a simpatia e a simplicidade do nosso atleta Marquinho que, de braço engessado, estava também tranqüilamente encostado numa parede perto das bilheterias, como se nada estivesse acontecendo na saída do jogo – como se ele não fosse um dos principais colaboradores de tudo o que está acontecendo, desde o golaço no Couto Pereira que selou a maior virada em campo da história do futebol brasileiro, ocorrida ano passado. Há um ano, meus amigos, saímos do inferno com vibração, dignidade e dedicação. Hoje, com calma e elegância, buscamos o topo do futebol brasileiro, ao qual sempre pertencemos, mas os invejosos insistem em tentar nos alijar. O Fluminense é isso: um pouco da beleza de Letícia, um pouco da entrega de Marquinho; um pouco do talento de Berna, Conca, Deco e Fred. Um pouco de três cores que traduzem tradição, fidalguia e vitória. Um pouco da história do grande futebol brasileiro.

Não se comemora título algum a três rodadas do fim de um campeonato, ainda mais quando o Fluminense está a um ponto de distância atrás. É um filme que já vi, é um filme que quero muito rever. Oxalá o carnaval aconteça!

Paulo-Roberto Andel

Friday, November 19, 2010

FLUMINENSE 1 X 1 GOIÁS (14/11/2010)



Desesperar, jamais! (15/11/2010)

Não foi o que esperávamos. A torcida do Fluminense queria gols e festa; na prática, um empate sofrido, muita luta e o resultado que nos deixou em segundo lugar na tabela do campeonato brasileiro a três jogos do fim da competição. Os nossos deixaram o Engenhão cabisbaixos, sob a fina chuva que cerrava as portas do domingo. Não brilhamos como era preciso; na prática, jogamos apenas no segundo tempo – o primeiro foi de dar dó. Não era hora da máquina falhar. E, para culminar, o favoritíssimo Corinthians conseguiu três pontos na véspera, graças a um pênalti duvidosíssimo marcado em cima do veterano Ronaldo – isso, sem contar os justos protestos do Cruzeiro contra a desastrada (e talvez planejada) arbitragem do Sr. Ricci, que não trabalhou em jogos corinthianos deste campeonato que não terminassem com vitórias alvinegras.

Foi de amargar? Sim.

E daí?

Ano passado, a três rodadas do fim do campeonato, éramos os rebaixados. Tentávamos reverter uma situação tida como impossível (erradamente) pelos paramatemáticos, jornalistas hexacampeões e similiares. Contra tudo e contra todos, empreendemos um salvamento fantástico que virou paradigma no futebol brasileiro e calou toda uma nação, enquanto a outra, linda e colorida, urrava, chorava e ria debaixo do pó-de-arroz.

Em suma, meus queridos amigos, reverter essa vantagem de um ponto que o Parque São Jorge nos impôs é bem menos impossível, sem aspas, do que a impossibilidade de 2009, devidamente sepultada e hoje lembrada como a grande vitória que foi e é. Nelson Rodrigues nos ensinou: para saber o futuro do Fluminense, é preciso desvelar o seu passado. E ele é cheio de pérolas e jóias conquistadas na última lufada, no último pique, na expiração derradeira. Tem sido assim há mais de um século. Não há o que temer. Deixemos o favoritismo absoluto com o Corinthians e sejamos apenas os favoritinhos. Quem sabe um timinho como aquele que a imprensa tanto caçoava e veio a ser campeão do mundo em 1952?

Não jogamos bem no primeiro tempo, definitivamente. Sentimos o gol de cabeça do ex-Tricolor Rafael Moura. Muitos defendem que Diguinho deveria ter começado jogando e não entrar no intervalo; é meu caso. Porém, discordo dos que sacariam Valencia; para mim, foi dos melhores ohomens contra o Vasco, tem espírito de decisão e foi bem no jogo. Sacar Bob talvez fosse a melhor alternativa. Mais à frente, Deco voltou visivelmente sem forma física ideal. É um craque, mas errou quase tudo o que tentou, inclusive passes de um metro. Sua única jogada certa foi a melhor de toda a primeira etapa, excluindo-se o gol alviverde: driblou três e chutou perto do canto direito de Harlei. Temos que reconhecer: em sua proposta de fugir desesperadamente do descenso, o Goiás nos anulou: Conca, marcadíssimo; Fred, ainda longe do ideal. No mais, temos sorte em Berna ser berna e não Fernando Henrique. Tartá, apagado. Carlinhos, péssimo. No conjunto, foi muito pouco. Melhor esquecer o time do primeiro tempo e se concentrar no do segundo.

O segundo tempo foi de um Fluminense patrulhando incessantemente a área do Goiás que jogava praticamente com nove homens atrás da linha da bola. Era muito difícil ter sucesso assim. Mas não deixamos de martelar; aos poucos, Fred mostrou arranhões de seu futebol, Carlinhos deixou de ser um dos piores em campo, Deco e Tartá saíram, Diguinho e Washington entraram. Com Diguinho, a raça de sempre e a melhora na ligação defesa-ataque. Já Washington...

Num certo momento, sabedor que o tarde não era de técnica ou talento, o Fluminense partiu para a raça e imprensou o Goiás. Houve chances de gol, mas poucas em relação ao nosso volume de jogo. A linda torcida Tricolor por vezes parecia silenciosa, triste: era para ser uma festa e alguns temiam perder o título naquela tarde, como se isso fosse possível. Na raça, tome cruzamentos que passaram por um triz das testas, chutes que foram imprensados ou desviados para escanteio; até mesmo o goleiro Harlei, famoso pela sua irregularidade, resolveu pegar tudo. Parecia maldição. Os minutos passavam, nossas chances escasseavam, o peito parecia apertado. Então, me lembrei daquele grande momento que foi a final da Copa do Brasil de 2007: a quinze minutos do fim, tomamos um golaço e tudo parecia perdido, até que nos últimos suspiros a raça de Magrão empatou o jogo e renovou as esperanças de torcedores como eu – a maioria deixou o Maracanã daquela noite tão cabisbaixa quanto a massa de ontem pós-Engenhão. Naquela vez, só a vitória na batalha final nos servia. Ela veio em Florianópolis e o Fluminense foi o grande campeão. Por que não agora? Por que não empataríamos?

Rodriguinho, última esperança no ataque, entrou em campo, foi chutado por trás, o pênalti justo foi marcado e Darío Conca não perdoou. Não que tenha batido bem, mas com a força que aplicou, a defesa de Harlei era impossível, mesmo tendo ficado muito perto da bola. Os gristos nas arquibancadas não foram de felicidade, mas de alívio. Ao menos um ponto para colar nos corinthianos. Muitas vezes, eu disse que se o Fluminense chegasse a esta rodada como líder, não perderia mais o título. Não aconteceu, mas quem disse que perdemos? Nós somos o time do último minuto – ainda faltam duzentos e setenta.

A discreta saída da nossa calada torcida ontem foi exatamente a de 2007. De tempero diferente, em vez da lua forte havia o céu em gris, o mesmo gris que fundou nossa primeira camisa. Onde muitos vêem azar e desesperança, eu vejo bons presságios. Não creio na derrota; este empate veio dos céus, estava tudo perdido. O Fluminense não vai morrer nem acabar. O Fluminense está vivo, é favorito e vai brigar com tudo em terras paulistas por este título. Já o favoritíssimo Corinthians terá uma carne-de-pescoço pela frente: o Vitória, no Barradão lotado, desesperado na luta contra o descenso. É jogo para empate. Se conseguirmos a proeza de vencer o São Paulo e o Vitória fizer a parte dele, voltamos ao topo. E faltarão dois jogos.

Era muito difícil escapar ano passado. Escapamos. É um pouco difícil virarmos o jogo de agora? Um dos nossos grandes torcedores, Ivan Lins, escreveu com o poeta Vitor Martins uma das nossas grandes canções brasileiras, chamada “Desesperar, jamais”.

Ivan, além de craque da música, pode também ser um profeta. Se puderem, ouçam a canção.


Paulo-Roberto Andel

Tuesday, November 09, 2010

FLUMINENSE 1 X 0 VASCO (08/11/2010)


Missão (quase) cumprida, missão a cumprir (08/11/2010)

Dez da noite de ontem, avisto o monumental prédio da Central do Brasil ao saltar do trem. Ao meu lado, os companheiros de mais uma brilhante jornada. Um sentimento de dever cumprido na semana que passou. Meus caros amigos, a batalha continua. Faltam quatro jogos para o desfecho do campeonato brasileiro. Trezentos e sessenta minutos de apreensão, pensamentos ao longe, o inevitável medo que faz parte da natureza humana e, acima de tudo, o coração batendo mais forte porque todos sabemos que, a partir de agora, o Fluminense não é apenas um dos candidatos ao tão esperado título nacional, mas também o principal favorito a levantar a taça. Não falo de facilidades, pelo contrário: nunca as tivemos e não as teremos. Acontece, entretanto, que este é um campeonato completamente diferente dos muitos que o Fluminense já disputou e ganhou em sua monumental história: ele começou a ser disputado, na prática, no ano passado, quando impusemos a maior virada que já seviu no futebol brasileiro – magnânima, dentro de campo e com totais dedicação e merecimento, durante e depois respectivamente. Muitos não perceberam ali a mágica que rondou a centenária camisa das Laranjeiras depois de vencer dez jogos em treze e, dessa feita, garantir a permanência na primeira divisão. Tratou-se de um feito colossal, ainda mais diante das circustâncias: qualquer boçal sabe que o lugar do Fluminense não é lutando contra descenso, mas disputando títulos. É assim desde que tornamos o futebol brasileiro o que ele é – aos que ainda tiverem dúvidas a respeito, pesquisas históricas podem levar ao pleno entendimento da questão. É difícil bater nossas cores num momento decisivo até quando estamos em desvantagem; imaginem quando tempos a supremacia de um fabuloso e empolgante ponto.

O Fluminense passou a ser o favorito ao título deste ano na noite de ontem, quando venceu seu adversário mais difícil, o Vasco, pelo escore mínimo no Engenhão. Foi uma vitória admirável, que poderia ter sido por um placar bem mais elástico. Alguns falam da bola na trave que sofremos ao fim do jogo. Eu retruco com os gols que perdemos, e não foram poucos: se houve alguém que merecia ser vitorioso no clássico, não tenho dúvida de dizer: nós. Sem falsa modéstia, sem arroubos de imponência: nós. Em nossa pior fase no campeonato, não souberam nos ultrapassar e permitiram que retomássemos a ponta. Aos poucos, subimos de produção. Passamos a ter um super-goleiro em campo, para atenuar a perda de meio time e de nosso estádio. E então o Fluminense não perdeu mais, nem para o Botafogo da “alma vitoriosa” de Kfouri, nem para o Atlético do Paraná e o forte Internacional em casa, além de vencer o incensado Grêmio e o jogo de ontem. Não derrotávamos o Vasco há mais de dois anos. O Vasco tem sido nos últimos vinte anos o nosso adversário mais difícil: nos venceu até no ano em que sucumbiu frente ao descenso. Ontem era uma partida vital para quem quer ser campeão; derrotar o grande rival num estádio onde jamais perdera, sem dúvida, foi um marco. Faltam quatro jogos e todos são dignos da maior atenção. Quatro vitórias magras por um a zero asseguram o sonhado título, façam o que fizerem os adversários. E a tabela acabou sendo cruel, principalmente para o centenário Corinthians: além de vencer, precisaria contar com a máxima disposição de São Paulo e Palmeiras a seu favor e, ao que tudo indica, isso não será fácil. Os do Morumbi estão ainda engasgados com o ano passado, quando perderam o campeonato nas rodadas finais e o Corinthians faltou fazer três gols contra para beneficiar a Gávea. Num pênalti, o goleiro Felipe sequer se mexeu para tentar a defesa. A vingança é um prato que se come frio – ou morno, já que 2009 está frequinho nas memórias do futebol. E, se o São Paulo não tem vontade alguma de colaborar com qualquer festa corinthiana, o que dizer do Parque Antarctica? Neste caso, a vontade é dez vezes menor do que a são-paulina.

Antes do início do jogo de ontem, era visível a apreensão de todos nós. Corinthians e Cruzeiro tinham vencido jogos difíceis, contra São Paulo e Vitória, fora de casa. Lembrei ao Presidente Sussekind, ao Tiba e ao Dória que isso pouco iria importar se o Fluminense fizesse a sua parte. Logo de cara, fez: a bola chegou aos pés de Washington pela esquerda, depois do passe de Tartá; o chute saiu forte, Prass rebateu e o mesmo Tartá empurrou para as redes, sem apelação. Três minutos de jogo e oitenta e sete por sofrer, menos pela nossa atuação e mais pela pressão de ter que manter o resultado. Atordoado, o Vasco custou a se recuperar e, embora em desvantagem no marcador, não usava a velocidade como meio de atacar o Fluminense, com ligeira exceção para Éder Luis. As ações de São Januário eram coordenadas por Felipe, o que significa dizer muito talento, mas temperado com lentidão; como nosso time tinha recuado demais, era mais difícil chegar ao gol adversário, ainda mais porque este, com a demora na saída de bola, tinha mais gente em seu setor defensivo. Curiosamente Tartá, que foi o primeiro destaque da partida, embora tenha jogado com muita raça como de costume – além do gol, claro -, não marcou mais presença em boas jogadas ofensivas. Nossa defesa estava firme (exceto em duas falhas individuais de Euzébio e Mariano), o meio com Valencia e Bob também, apesar de alguns poucos erros que nos levaram à loucura na arquibancada oeste superior. O ataque não teve jeito, como se veria a seguir. O primeiro tempo terminou com o placar justo: soubemos aproveitar a chance e administrar o marcador.

Na segunda etapa, o Vasco mudou de postura. Passou a jogar mais ofensivamente e com mais velocidade. Nosso time mantinha a postura de administração do jogo, mas as finalizações vascaínas foram aparecendo e aí, mais uma vez, brilhou a estrela de Berna, principalmente numa defesa monumental em chute de fora da área desferido por Jonathan. A velocidade vascaína, entretanto, nos permitiu brechas: numa delas, Marquinho perdeu um gol incrível frente à frente com Prass; na outra, Washington, impedido, marcou um gol virtual. São Januário estava disposto a nos castigar no terço final da partida, ainda mais quando perdemos o mesmo Marquinho por contusão. Atento, Muricy colocou Thiaguinho no lugar de Tartá para reforçar a marcação. Julio César entrou em campo à última hora; o escolhido era Rodriguinho, que substituiria Washington, mas com a saída inesperada de Marquinho, a substituição foi anulada e isso permiritia ao camisa 99 ter a chance de marcar um dos gols mais fáceis de de sua vida. Permitiria... mas não permitiu. No fim do jogo Conca, livre, deu uma arrancada deixou os marcadores para trás, ficou cara a cara com Prass e faltamente faria o gol. Travou a bola, olhou para o lado e a tocou para Washington marcar e deixar a má fase frente a meta vazia e um desesperado zagueiro. Não deu certo: o atacante quase fez pênalti em sim mesmo, tropeçou nas próprias pernas e a defesa do Vasco aliviou a situação. No minuto final dos acréscimos do jogo, até Prass foi para nossa área tentar a cabeçada, em vão. Veio o fim, foi confirmada a vitória Tricolor e também veio a certeza de que estamos preparados de vez para esta conquista, caso ela se confirme. Saímos de alma lavada do estádio. Foi justo e merecido. Não importa que não tenha sido um triunfo de passes portentosos e jogadas cintilantes: foi a vitória da garra, da determinação e da atitude de quem quer ser campeão.

Uma semana de trabalho pela frente, tranqüilidade e a promessa de uma grande atuação contra o Goiás a nos cercar. Quando jogarmos no domingo à tarde, saberemos exatamente o que precisamos fazer. Antes disso, na véspera, Corinthians e Cruzeiro duelam no Pacaembu; no mínimo, um dos dois ficará mais distante da luta pela taça. Se empatarem e conseguimos um triunfo magro contra o Goiás, estaremos a três pontos dos dois, com saldo de vinte e dois gols, faltando três rodadas para o fim. Para quem passou cem anos ganhando títulos com total desvantagem, a possibilidade aqui apresentada é verdadeira fortuna. O fato é que só dependemos de nós mesmos e nada mais. Nenhum oba-oba, nenhuma empáfia. Confiança, força, talento e sorte – eis os nossos guias para estes jogos que faltam. A missão de ontem, uma das mais difíceis de todo o campeonato, foi cumprida.

Falta ainda a grande jornada final – e acreditamos no sucesso dela. Quem duvida?

Quem é capaz de dizer que o Fluminense é um cavalo paraguaio sem parecer um boboca?

Nossa arquibancada não tem bobocas. Humildade e concentração são fundamentais, mas ignorar a história é a mediocridade em contundência. Esta mesma história ensina que, quando o Fluminense está numa decisão, que os outros o respeitem. Nosso hino nos ensinou a esperar e muitas vezes a taça nacional nos escapou por um triz. Ela ainda não é nossa, mas todas as cores desenham a aquarela do nosso triunfo. É acreditar, esperar e torcer muito.

Paulo-Roberto Andel

Thursday, November 04, 2010

INTER 0 X 0 FLUMINENSE (03/11/2010)



Uma noite de Paulo Victor (04/11/2010)

Que ninguém se iluda com o desdém dos jornais, meus caros amigos. Mais uma rodada do campeonato brasileiro se foi. Restam cinco jogos. E, tal como aconteceu em grande parte desta competição, o líder é o Fluminense. Falam de arrancadas gloriosas, de favoritos centenários, mas a verdade é que ninguém foi mais primeiro lugar neste campeonato do que o Fluminense. Um campeonato que não começou agora, mas no ano passado – todos viram o que aconteceu, todos sentiram o que é o peso da secular camisa Tricolor. Falam do empate de ontem como se fosse um mísero resultado, como se o adversário não fosse o campeão da Libertadores, completo, jogando em seu estádio e com sua numerosa torcida. Não bastasse todos estes argumentos, o Internacional ainda jogava suas últimas fichas numa vitória que lhe permitisse disputar o título brasileiro deste ano, com uma gana que nem parecia a de um time já escalado para as finais do título mundial em dezembro próximo. Empatamos. Conseguimos um valioso ponto fora de casa que nos garantiu a liderança; afinal, o favorito Cruzeiro sucumbiu em casa diante do favorito São Paulo. O favorito Corinthians goleou o não-favorito Avaí, mas o favoritismo está atrás da matemática por um ponto. O também favorito Botafogo venceu apertadamente em casa o Atlético Goianiense, mas o favoritismo esbarra na matemática por quatro pontos. Acho graça dos homens de imprensa não terem utilizado neste ano de 2010 a expressão “se o campeonato terminasse hoje...”; sentem um enorme desconforto ao verem as Laranjeiras no topo. Meus amigos, que eles respeitem quem inventou o futebol brasileiro como ele é, fato que só os bobos desconhecem. Só os bobos não sabem da importância para o futebol brasileiro e mundial. Só os bobos ignoram que a primeira conquista da seleção brasileira foi em nossa casa, ou que o primeiro gol brasileiro em copas do mundo foi de um Tricolor. Só os bobos não percebem que o Fluminense é o grande favorito ao título deste ano. Só os bobos acreditariam que o Internacional de Porto Alegre, com toda a sua grandeza, seria uma presa fácil ontem. Vejamos os momentos finais do campeonato: quem consegue sair invicto da Arena da Baixada e do Beira-Rio? Quem conseguiu superar com galhardia o rolo compressor do Grêmio no segundo turno? Quem pressionou o Botafogo em casa? Para todas estas perguntas, apenas uma resposta: Fluminense. Estamos sem quatro ou cinco titulares, dentre eles um artilheiro que disputou copa do mundo. Não é pouco. Aqueles que zombaram do Fluminense, comparando-o a um cavalo paraguaio, precisarão de muita cachaça legítima para esquecer a jornada Tricolor.

O empate teve sabor de nossa vitória. O Internacional, gigante, nos pressionou a todo momento. É um time rápido, com vários jogadores de qualidade, entrosado, acostumado a conquistas e que tem como seu único ponto fraco o opaco treinador Roth. Era evidente que, podendo reduzir a diferença até a ponta da tabela para quatro pontos, os gaúchos foram um aríete contra a fortaleza da nossa defesa. Porém, Gum voltou a ser o velho Gum na noite de ontem: implacável e em tempo real na marcação. Euzébio manteve a trajetória de boas atuações. Mariano era a tradicional raça pura. Curiosamente, destoava o defensor com melhores recursos técnicos: Carlinhos. Por algumas vezes, o maestro Conca nos levava ao semi-ataque; Tartá, que marca sua carreira com alternância de qualidade, não repetiu os ótimos momentos do jogo contra o Atlético na Arena. E Washington, por mais que a nossa piedosa torcida apóie, está cada vez mais difícil de aturar em campo. É o time que temos, é com ele que chegamos até aqui, é com ele que iremos até o fim.

Quando a partida acabou, nossa torcida organizada vibrou. Não somos pascácios: sabemos que um grande triunfo estava realizado no sul. Um ponto miraculoso, que veio do esforço de todo o time, a garra de Diguinho salvando um gol certo. Mesmo os que entraram, Rodriguinho e Valencia (Belletti só entrou a um minuto do fim) fizeram parte desta entrega d’alma à camisa das Laranjeiras. A derrota do Cruzeiro ajudou, sem dúvida, mas se o Fluminense ontem se manteve – MERECIDAMENTE – líder do campeonato brasileiro, deve tudo a um único nome (sem detrimento dos demais): Ricardo Berna. Pouco afeito a vôos acrobáticos e pernósticos, sempre bem posicionado, sóbrio, alternado reposições de bola rápidas e mais lentas conforme a necessidade, dotado de personalidade nas saídas de gol e até mesmo fazendo algo raro em suas passagens anteriores como titular: vibrando nos lances. Berna fez uma partida perfeita. Recuou o braço ao ver Diguinho atrás de si na cabeçada de Alecsandro logo no começo da partida. Estava firma no lance quando a bola bateu na trave esquerda, ao fim do primeiro tempo. Espalmou chutes fortes de Sóbis e Giuliano. Socou com eficiência os cruzamentos na área que enfrentou. Defendeu de primeira outros chutes que muitos goleiros insistem em rebater – alguns, pior ainda, com o pé. Fechou o gol na primeira etapa e foi apenas excelente no segundo tempo: basta lembrar a defesa perfeita na cobrança de falta de Andrezinho, praticamente um pênalti, fechando a partida. O jogo poderia durar mais cinco ou onze horas: estava claro para todos que Berna não iria sofrer gols ontem à noite. Agarrou tudo; o que não pegou simplesmente não foi chutado. O time está de parabéns pela raça, mas é fato que todo time precisa começar por um grande goleiro – e foi o que aconteceu ontem. Quero lembrar que não é a primeira vez que isso acontece. Quando o Fluminense bateu à porta do descenso em 2006, viram que era impossível se salvar com um beque-equipe sem usar as mãos para fazer defesas. Berna entrou num navio à deriva e ajudou a salvá-lo: o Fluminense não caiu. Em 2007, fazia uma jornada regular quando foi barrado por decreto. Manteve sua postura, continuou treinando, teve uma nova chance ano passado, mais uma vez entrando como titular num time em frangalhos. Sofremos duas goleadas merecidas para Santos e Goiás, ele pagou novamente o pato. Agora, devido ao mau momento de Rafael – que foi muito importante na brilhante arrancada do ano passado – voltou ao gol do Fluminense. Pela primeira vez desde que chegou às Laranjeiras, é titular num time de grande qualidade. Percebam que, desde que foi efetivado, o time não perdeu mais.

Cada jogador tem as suas qualidades, as suas características e seria cruel fazer comparações com nosso passado de glórias. Mas a trajetória de Berna, que está no Fluminense há anos, faz pensar na de um jovem goleiro que foi contratado ao Rio Branco de Vitória nos anos oitenta, bem no começo. Era reserva e tinha poucas chances contra o titular Paulo Goulart, campeão de 1980 e pegador de pênaltis – num deles, antevendo o que ia desgraçar a nação em 1986. Um dia, Paulo Goulart saiu e o novo goleiro começou a jogar, sem grande alarde, sem holofotes. Três anos depois, já era um dos maiores arqueiros da monumental galeria de grandes goleiros do Fluminense. Paulo Victor Barbosa de Carvalho. Ricardo Berna é Ricardo Berna, com suas qualidades e defeitos. Já mostrou que, em horas de absoluta gravidade, era capaz de servir bem ao Fluminense. Ontem, meus amigos, Berna me fez pensar em Paulo Goulart pegando pênaltis em 1980, e também em Wellerson defendendo com os pés (mas com talento) o chute de Rodrigo Mendes que poderia ter decidido a maior final de todos os tempos. Em Kleber com grandes defesas em 2005. Mas o que pensei mesmo foi ele ter tido uma noite de Paulo Victor, o que soa como o maior dos elogios: sinônimo de maestria debaixo das três traves. E, com essa grande noite de Berna, o Fluminense continua invicto, líder e a cinco jogos de conseguir mais um feito inigualável no futebol brasileiro.

Só os bobos se esquecem do ano passado; só os bobos não percebem o que está acontecendo agora. A velha camisa sua sangue em seu grená.

O inferno de 2009 sugere um céu de brigadeiro daqui a um mês - e não é com azul celeste de Minas.


Paulo-Roberto Andel