Wednesday, July 21, 2010

PARABÉNS, FLUMINENSE


Cento e oito (21/07/2010)

No mundo atual, onde tudo é efêmero, qualquer coisa que dure dez ou vinte anos já merece todas as saudações.

E cinqüenta? E oitenta? E cem anos?

Mais ainda: e cem anos de futebol? E quase cento e dez anos de futebol?

E se essa data coincidisse com a verdadeira gênese do futebol mais vitorioso do mundo?

Sim, amigos, isto é o Fluminense, nascido com a elegância inglesa de Football Club em seu nome, típica de 1902, mas de uma brasilidade indestrutível.

O Fluminense não é o primeiro clube de futebol fundado no Brasil, mas certamente é o que determinou os alicerces do futebol brasileiro, além de pertencer à vanguarda das formações esportivas generalizadas – não à toa, conquistou a Taça Olímpica em 1949, tida como o “Prêmio Nobel” do esporte e, três anos depois, se tornou o segundo time de futebol no Brasil a ser campeão mundial; reparem que estas duas façanhas “cercam” o ano de 1950, tido como o mais trágico da história do futebol brasileiro. Mas nada abala o Fluminense. Absolutamente, nada. Desconfio de que, se um dia, o mundo realmente vier a acabar, a sede da rua Álvaro Chaves, intacta, será um marco da reconstrução do planeta.

Para minhas estatísticas oficiais, comecei a seguir o Fluminense em 1978 – ali, eu já sabia os nomes dos jogadores, que números de camisas ostentavam e tinha ouvido falar de uma certa Máquina (de jogar futebol), que também cheguei a ver mas poucas vezes, carregado pela mão por meu pai e servindo de alegria para torcedores – já contei aqui, mais de uma vez, que num determinado jogo contra um time de camisa diferente, o pessoal da arquibancada me jogava para cima a todo instante e isso impedia que eu comesse meu cachorro-quente Geneal com tranqüilidade: décadas depois, descobri que se tratava de uma goleada da Máquina contra o Vasco. E lá se vão trinta e dois anos, quase trinta por cento da história do clube acompanhada à vista. De tudo o que vi e vi neste tempo, um dia fará nascer um livro. Craques, jogadores medianos, pernas-de-pau, títulos heróicos, derrotas terríveis, grandes treinadores, péssimos treinadores; o saldo positivo é imenso, mas temos os reveses que só engrandecem a história deste amor centenário. Não, meus amigos, o Fluminense não é um time de lendas e mumunhas, um time inventado onde só se vence e se conquista; definitivamente, não! Nossa história é a história que pode ser encarnada em uma pessoa: a pessoa humana, com seus defeitos e inúmeras virtudes. E talvez isso é que incomode a tantos no Brasil: reconhecemos nossos erros e seguimos em frente. O Fluminense não é uma fantasia midiática, mas uma realidade incontestável. Como bem escreveu Marcos Caetano um dia, não fosse o Tricolor das Laranjeiras, talvez a seleção brasileira não ostentasse cinco estrelas no peito. Como escreveu nosso maior patrimônio, Nelson Rodrigues, tudo passará, exceto o Fluminense. Ao lado de Marcos e Nelson, nossos milhões de torcedores contam com a presença nas nossas fileiras de um Tom Jobim, uma Maria Bethânia, um Sérgio Brito, um Chico Buarque e mais um batalhão de famosos e anônimos que, ao seu jeito, ajudaram a construir a mais bonita e charmosa torcida do país – admirada por sua beleza até em momentos terríveis como a perda da Libertadores de 2008: o Fluminense não foi campeão por um triz, mas quem viu a beleza das nossas cores jamais se esquecerá. Até mesmo os jornalistas que costumeiramente tratam o Fluminense com desdém foram obrigados a se curvar: um deles apontou aquela festa no Maracanã como a mais bela que viu no futebol em toda a sua vida. E ai daquele insistir com a mesma velha chacota de que o Fluminense é um time cuja torcida é de “elite”. Elite sim, mas de personalidade; elite intelectual. Os nossos irmãos menos abonados são tão educados quanto os mais ricos, de grandes sobrenomes. A camisa do Fluminense está nas ruas, nos bairros nobres, mas também nos trens e nas vielas; é uma camisa da favela e do asfalto. É uma camisa de pobres e ricos, pretos e brancos, gordos e magros, mas principalmente de gente que lê e escuta. E não podemos ser perseguidos porque as mulheres da nossa torcida são as mais bonitas do mundo: que culpa temos da estonteante genética Tricolor?

Relembro novamente Nelson Rodrigues e, por um instante, na condição de Tricolor, deixo a humildade de lado. Quem venceu trinta títulos estaduais no Rio de Janeiro merece todas as loas. Quem foi o primeiro time campeão do mundo, resgatando o Maracanã para sempre, depois da desgraça de 1950, merece todas as loas. Quem forjou a história da seleção brasileira, dando-lhe casa e Marcos Carneiro de Mendonça como seu primeiro grande goleiro campeão, merece todas as loas. Quem semeou tudo o que aí está em termos da grandeza do futebol brasileiro merece todas as loas. E o que dizer dos grandes campeões de 1941, no Fla-Flu da Lagoa? Ou dos de 1969? E a Máquina? E os tricampeões dos anos oitenta, testemunhas dos fantásticos gols de Assis? Meus amigos, quem esteve do lado direito das arquibancadas no dia 25 de junho de 1995 está condenado à eternidade. Quem saiu do Maracanã naquele 30 de maio de 2007 convicto da grande vitória, quando empatamos um jogo perdido e vencemos a Copa do Brasil na semana seguinte, está condenado à eternidade.

Mais uma vez Marcos Caetano. O cronista, noutro aniversário nosso, escreveu sobre as duas vezes em que, ferido de morte, o Fluminense reagiu como um touro feroz e rasgou as convenções da mediocridade vigente: em 1912, quando venceu a Gávea pelo emblemático placar de três a dois, enfrentando o outrora time Tricolor que para lá migrou, fazendo nascer uma das mais fantásticas rivalidades do futebol mundial. E outra, quando na terceira divisão, vencemos o Náutico numa chuva torrencial com um Maracanã sem arquibancadas e os torcedores quase se afogando na antiga geral. Nestas duas oportunidades, o time que era ridicularizado pela imprensa mostrou ser o maior dos gigantes. Modestamente, eu acrescentaria aqui outro momento, dividido em duas temporadas. Nos anos de 2008 e 2009, o Fluminense era tido como o João-Bobo do futebol brasileiro, massacrado por rádios, jornais e canais de televisões. Era o rebaixado, o aniquilado, o borra-botas. O resultado todos sabem: duas reações fantásticas - especialmente a do ano passado, que considero a maior virada da história do futebol brasileiro em campo e que serve de silenciador para aqueles que nos acusam por erros do passado. O time que soube passar por aquela tempestade está preparado para vencer. Muitas vezes, também fui ridicularizado por escrever obsessivamente: “O Fluminense não cairá”. Não me cabe nenhuma vidência ou sorte, nenhuma superioridade intelectual, absolutamente nada. Apenas sou Tricolor e, neste terço de vida do clube, testemunhei muitas vezes o que esta centenária camisa e essa maravilhosa torcida são capazes de fazer. Estava na cara que o Fluminense não cairia. A junção de nossa camisa com um time de garra jamais falhou neste cento e oito anos; em dezenas de vezes, o adversário era tido como o favorito e saímos campeões. Essa é a nossa sina: desafiar paradigmas.

Sete meses depois dos seguidos atestados de óbito que a imprensa falaciosa nos impôs, o Fluminense entrará no sagrado Maracanã amanhã para jogar contra o Cruzeiro e, em caso de triunfo mais alguma sorte, se tornar o líder do campeonato brasileiro. Quem sabe vem por aí mais um título? Digo mais um porque a entrada de uma taça em nossa sala de troféus equivale a um passageiro pegar um transporte coletivo na hora do rush carioca.

Então o Fluminense pode ser tornar o líder do Brasil? Sim!

Quem espera sempre alcança.

Emudecidos estão aqueles que tentaram vilipendiar nosso hino.

Todos os parabéns ao nosso Fluminense e aos nossos dez milhões de amigos, com quem dividimos essa paixão. São cento e oito anos. Serão cem mil um dia.


Paulo-Roberto Andel

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