Tuesday, October 06, 2009

FLAMENGO 2 X 0 FLUMINENSE (04/10/2009)



À beira do fim (05/10/2009)


Quando o primeiro tempo do Fla-Flu de ontem se encerrou, o Maracanã ofereceu uma reação de absoluta surpresa. Ao contrário do que se poderia supor, tendo em vista a posição dos times na tabela, quem deu as cartas na partida foi o time do Fluminense. Mesmo limitado tecnicamente, mesmo com a última posição da tabela nas mãos, mesmo com os desfavoráveis resultados dos outros times contra quem lutamos na zona do rebaixamento, tudo era pequeno diante da atuação na primeira etapa – até mesmo a incrível ausência de nossa torcida, que comentarei mais tarde, foi reduzida pela boa atuação até ali. Nós, os poucos Tricolores presentes ao estádio, tínhamos algum alívio e certo alento: o jovem zagueiro Digão era um dos melhores em campo, anulando o ataque da Gávea; Dieguinho realizava ótima partida; Conca buscava espaços e Alan perdeu um gol incrível, dos que não costuma. Em nossa meta, Rafael muito bem. Então, o Fluminense era um time que vinha de uma grande e suada vitória sobre o bom time catarinense do Avaí, e também o time que atropelou o peruano Alianza Atlético na quinta-feira. Tudo indicava que, depois de meses de enorme sofrimento, era o momento de nossa ascensão. Ledo engano. Duas enormes desatenções com falhas individuais selaram a nossa sorte e, muito provavelmente, a nossa ausência na primeira divisão do ano que vem.

Logo que cheguei ao Maracanã, havia um enorme público, com a natural predominância da Gávea, mas os nossos pareciam estar em bom número, a julgar pelo movimento na rampa do Metrô – se preferirem, a da minha amada UERJ. Foi um engodo. Quando subi as rampas com minha amiga Marô, veio-me uma sensação de choque: o Fluminense, mesmo depois de duas vitórias com um futebol razoável, foi completamente abandonado pelo grosso de sua torcida. Mal conseguia ocupar metade dos assentos da área verde, enquanto que a amarela era um absoluto deserto. Do outro lado, os flamengos se apinhavam em cachos, lotes e dúzias como se ali fosse a maior decisão de todos os tempos. E, por mais que eles tenham merecido a vitória em campo, principalmente pelo segundo tempo, não tenho dúvidas de que o Fla-Flu se decidiu nas arquibancadas. Não que o nosso time não fosse valente; contudo, quando Adriano fez o primeiro gol, após duas falhas sucessivas de Fabinho, chutando no meio do gol de Rafael, a Gávea explodiu de tal forma que, ali, o jogo se decidiu. Ressalto que nossos presentes - com especial saudação para os rapazes das torcidas organizadas que, diferentemente de todo o caos que reina hoje nas Laranjeiras, uniram-se pela nossa verdadeira causa comum, que é o Fluminense – foram heróicos: gritaram e incentivaram o time o tempo todo. Nós, que estamos no concreto das arquibancadas, iremos até o fim. Uma pena que a grande maioria de nossa torcida não tenha entendido isso e, por conta do que aconteceu, ela acabou sendo rebaixada antes mesmo do Fluminense encerrar suas possibilidades matemáticas no atual campeonato. Melhor dizendo, se rebaixou voluntariamente. Entendo o problema dos cambistas, infelizmente alimentado pelos clubes. Entendo os tempos de hoje, com os temores da violência. Entendo a má campanha, a péssima trajetória do Fluminense no campeonato. Mas seria certo, justamente num momento crucial e num jogo contra o nosso maior rival, a nossa torcida simplesmente dar de ombros para o time que se agarra à beira do abismo com as pontas dos dedos?

Jamais um Fla-Flu será fácil. Jamais será uma canja de galinha. A Gávea sabe disso, tanto que apupou seu time na descida para o intervalo. E todos sabíamos que, se o jogo continuasse daquele jeito, o risco da vitória Tricolor seria enorme. Mas as coisas mudam num estalo dentro deste jogo mágico e secular.

Amparado por sua imensa torcida, o Flamengo voltou para o segundo tempo buscando o ataque e a vitória. De cara, Rafael fez uma defesa sensacional, mais difícil do que um pênalti, num chutaço de Adriano. Em seguida, Fabinho, jogador esforçado de muita raça, mas de horizontes técnicos quase desérticos, falhou duas vezes no mesmo lance: perdeu a bola na intermediária, em seguida, permitiu a finalização de Adriano. O gol estava marcado e a nossa derrota, assegurada. A quem me perguntar por que acho isso, me parece muito simples: não bastasse a enorme pressão psicológica que é jogar no Fluminense de hoje, imaginem o sujeito pegar a bola para dar a saída, olhar para a frente e não ver sua torcida, com exceção de bolinhos honrosos, vibrantes, mas numericamente esdrúxulos se levarmos em conta o que é o Fluminense na história do futebol brasileiro. E mundial. Ali, com todos os nossos pulmões prestes a explodir, éramos uma meia-pataca, uma meia-bomba perto da enorme massa deles, que nos sufocava como num sopro. Fôssemos mais numerosos, gritaríamos tudo e eles se lembrariam de Benedito de Assis, do gol centenário de Portaluppi, do Fla-Flu da Lagoa em 1941 e o velho trauma seria um grande bônus a nosso favor. O fato é que, do gol em diante, o Flamengo foi absolutamente superior e venceu com tranqüilidade, orquestrado por sua arquibancada. Não havia espaço para mais nada. Fizeram outro gol com enorme facilidade e só não golearam porque os deuses da justiça se lembraram do primeiro tempo estóico que cumprimos.

Um time sem torcida é um time sem alma. É um cadáver insepulto. Ontem, o Fluminense infelizmente deu um passo para trás em nossa história. Estou certo de que, após o gol de Adriano, se tivéssemos nossa verdadeira massa de torcedores, haveria chance de se reverter a história deste Fla-Flu. Jogamos um bom futebol no primeiro tempo e o barulho do nosso lado da arquibancada faria equilibrar o jogo. Nenhum time vive somente da audiência de seus aficcionados pela televisão, rádio ou computador. Um time de futebol é um reino, e precisa ter o povo ao seu lado, ainda mais nos momentos de crise e dificuldade. Quando o time vence e está em disputa de títulos, todos os sazonais comparecem em massa. Cambistas, preços, horário: nada atrapalha. O problema é só na má fase?

De forma alguma, a situação atual do Fluminense é exclusivamente por culpa de sua enorme, linda e apaixonada torcida, ainda que ausente e alheia à gravidade deste momento. O que penso é que vivemos uma situação de enfermidade absoluta, de UTI, e não se pode esperar: era a hora de apoiar e, depois, conforme necessário, fazer as mudanças devidas. Nós somos o time dos grandes títulos no último segundo, quando ninguém mais espera, exceto a nossa irmandade e, justamente agora, ela é a primeira a desistir? Ontem era a hora da união e não do descaso.

Quarta-feira, talvez seja a última cartada, contra o Corinthians, num Maracanã completamente vazio. A última jogada de dados. O último jogo na mesa.

Seja para testemunhar o óbito, seja para testemunhar uma virada quase impossível, mas que faz parte da nossa tradição histórica, eu estarei lá.

Mesmo com frio, vento e chuva, mesmo com o silêncio que lambe o chão cinza, eu estarei lá.

Está tudo quase perdido, mas ainda resta um fio de esperança – e isso remete a Telê Santana, remete a um bom sentimento.


Paulo-Roberto Andel, 05/10/2009

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