Wednesday, March 10, 2010

FLUMINENSE 2 X 1 BOTAFOGO (07/03/2010)



Outro jogo que nunca termina (08/03/2010)

Mal começado o grande clássico de ontem, contra o Botafogo no Maracanã, e nós, poucos presentes ao estádio, vimos o gol mais perdido do ano – e logo por quem: nosso artilheiro Fred. O jovem Maicon, prestes a dar adeus às Laranjeiras, fez um misto de cruzamento com a força de um chute; o excelente goleiro Jefferson espalmou e a bola sobrou livre para Fred, no bico da pequena área, com a missão de apenas encostar a bola. Foi o que nosso craque fez; porém, ao contrário do sempre esperado, sem a precisão necessária – a bola subiu, subiu, passou caprichosamente por cima do travessão com o gol vazio. E o mal-estar tomou conta de toda a fiel torcida Tricolor: perder um gol daqueles contra uma grande equipe com menos de um minuto de jogo poderia ser fatal para as nossas pretensões. Felizmente, tudo não passou de engano: o Fluminense fez uma de suas melhores partidas no ano, dominou amplamente o clássico e venceu com a mais absoluta justiça.

O gol perdido não abalou nosso time. Jogamos à frente durante toda a primeira etapa, contra um campeão que praticamente não nos atacava e, talvez, estivesse fazendo com astúcia o seu melhor papel: o de boxeador surpreendente, que aplica um golpe mortal na distração do oponente. Foi assim quando o Botafogo abriu o marcador, quase no fim do primeiro tempo: uma jogada sem maiores riscos na grande área, quando Maicon poderia ter saído jogando tranqüilamente, mas, sem o cacoete necessário a um defensor, perdeu o lance para Wellington e, a seguir, cometeu a falta penal típica dos jogadores que não são beques. Pênalti marcado, coube ao bom atacante Herrera convertê-lo num forte chute, no alto do gol, sem chances para Rafael. Mais uma vez, o drama se repetia: o Fluminense, em várias oportunidades nos últimos anos, faz boas partidas, domina o adversário, mas não consegue vencer. Assim tem sido em vários momentos cruciais e também em jogos como o de ontem, que não era decisivo, mas é sempre um clássico. Mestre Nelson Rodrigues magistralmente vaticinou o Fla-Flu como o jogo que nunca termina, o jogo que começou cinco minutos antes do nada, com toda a propriedade. Imaginemos então sobre Fluminense e Botafogo, que começaram o mais antigo debate do futebol brasileiro seis anos antes? Seis anos e cinco minutos antes do nada, portanto. As camisas centenárias que ajudaram a forjar o futebol como ele é. Futebol, que, tal como a vida, também tem suas surpresas – e uma, especialíssima, estava reservada para a etapa final, mas ninguém desconfiaria no vazio estádio. Sim, dezessete mil pessoais em um clássico centenário constituem um estádio vazio, bem sabemos. Em paralelo, dirigentes tentando culpar equipes de menor investimento pelo desastre de bilheteria, como se as modestas agremiações fossem culpadas por horários esdrúxulos e jogos de ingressos caríssimos com a velha desculpa das carteiras de estudantes falsificadas. Amigos, num país onde o salário mínimo gira em torno de quinhentos reais, uma arquibancada custa oito por cento daquele valor. Demais para grande parte da população humilde, que se acostumou por décadas a lotar o Maior do Mundo. Aproveito para falar dos liberalóides que defendem ingressos caros para elitizar o futebol: raras vezes algo me soou tão burro em toda a vida. Futebol é arte, é espetáculo e elite pela própria natureza – uma elite erguida com a força de trabalhadores, operários, mascates e populares. E estes têm feito falta ao estado, donde se pode depreender o vazio que prolifera no Maracanã, em São Januário e no Engenhão.

Volto ao jogo. O melhor estaria por vir.

Quando veio o segundo tempo, o que se pôde ver foi o mesmo panorama do primeiro tempo: o Fluminense, senhor absoluto das ações e pressionando embora sem finalizações que exigissem muito de Jefferson, contra um Botafogo cauteloso, ávido pela defesa do resultado para, quem sabe, conseguir matar o jogo num contra-ataque esporádico. Nós esperamos quinze minutos, e valeu a pena.

Quem esteve no Maracanã viu um gol perdidíssimo de Fred, mas também testemunhou um de seus mais belos gols. Maicon, sempre ele, avançou pela direita e cruzou com perícia; Fred, de voleio, jogada que já vinha tentando há alguns jogos, fuzilou o canto direito do gol botafoguense, sem o menor traço de chance para o goleiro. Um gol sublime, do ofício dos artilheiros, que causou espasmos em nossa torcida e um soluço considerável nos alvinegros: um gol desses, que não é perdido, pode levantar um time, uma platéia. Como o Fluminense já predominava na partida, isso só aumentou, inclusive a ponto de continuarmos pressionado até mesmo depois de um lance inesperado, como foi a expulsão – justa – de Darío Conca, a primeira com nossa camisa. Nada nos deteve, nada nos abalou. Só a vitória nos interessava contra os campeões da Guanabara e, nos dez minutos em que tivemos um homem a menos em campo, o panorama não mudou; pelo contrário, quando entrou o menino Wellington Silva nosso ataque reacendeu. Parecia que a partida estava mesmo escrita a nosso favor. Mais tarde, Herrera foi expulso e a igualdade numérica se refez. Entretanto, ainda éramos melhores, mesmo faltando pouco tempo. E neste pouco tempo, se fez justiça a um jogador que tem sido dos mais combativos e dedicados do Fluminense: Mariano. A cinco minutos do fim, Wellington Silva deixou dois marcadores para trás, na esquerda do ataque, e cruzou certeiro. Fred não estava na pequena área, mas quem surgiu com um raio foi nosso lateral que chapou a bola para o fundo do gol alvinegro. Justiça no placar e justiça ampla para Mariano, que pode não ser dos melhores com a bola nos pés, mas é dos melhores com a camisa encharcada de suor. Um verdadeiro jovem leão. E estava decretada a virada no grande clássico.

O campeonato ainda está longe de sua decisão, mas vencer os campeões da Guanabara com autoridade foi um excelente sinal. Não nos deixamos abater pelos gols perdidos – principalmente o primeiro – e nem pelo sofrido. O time jogou com calma, dedicação e talento. Um gol de placa e outro muito bonito. O Fluminense voltou a sorrir para si mesmo e ganha confiança justamente para a partida de quarta-feira, contra o time sergipano do... Confiança. Mais uma vez, o horário exótico fará com que sejam poucos os nossos torcedores no Maracanã. Mas vencer é preciso. Vencer, vencer. Prosseguir na Copa do Brasil e com força no Estadual. O jogo de ontem mostrou, mais uma vez, que temos chances. É hora de acreditar que o jogo que nunca termina possa ter reedição na final do campeonato.


Paulo-Roberto Andel, 08/03/2010

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