A sina (28/03/2011) Nos últimos anos, nenhum adversário tem sido mais difícil de ser batido por nosso time do que o Vasco. Uma verdadeira muralha da China. Mais uma vez aconteceu de não conseguirmos e, apesar de não termos perdido o jogo – pelo contrário, as maiores chances de inaugurar o marcador nos últimos minutos foram Tricolores – o empate em zero na noite de ontem no Engenhão reforçou a repetição de um capítulo eterno da nossa história: por conta do principal objetivo momentâneo na competição, que é o de chegarmos às semifinais do Rio, temos que vencer os três jogos finais. Mais uma vez, frente à frente com a nossa velha sina. Mais do mesmo, tal como precisaremos na Libertadores. Mas quem disse que não podemos chegar lá? É claro que nada será fácil, mas repito quase que sempre: quando a nossa história colheu louros de favoritismo e facilidade? Nunca. Volto a falar da rocambolesca missão impossível no campeonato local. Enfrentaremos as equipes do Volta Redonda, Americano e, por fim, Nova Iguaçu. Três magros um a zero de timinho, estilo 1951, resolvem a questão. Vejam onde temos chegado: será possível não acreditarmos que essas três vitórias não possam acontecer? Outros dois magros placares a nosso favor na Libertadores e, com tudo isso, um cenário de guerra, dor e destruição pode se tornar paradisíaco. Os que debocham da força das Laranjeiras nas horas decisivas devem ficar atentos para não engolirem uma espinha de bacalhau, sem nenhum trocadilho com o saudável apelido do gigante da Cruz de Malta. Ainda temos tempo e, para nós, cada segundo é um século. Saberemos lutar pelas duas frentes e vagas, oxalá. O jogo de ontem infelizmente começou bem mais cedo do que o previsto: cenas de estúpida violência foram consagradas na zona norte da cidade, com especial concentração nos arredores da rua Arquias Cordeiro, no Méier, levando pânico a homens, mulheres e crianças de bem. Mais uma vez, a polícia teve uma atuação reticente enquanto o vandalismo reinou absoluto no bairro onde não se bobeia. Todos sabemos que minorias criminosas sujam o nome dos freqüentadores dos estádios e, particularmente, das torcidas organizadas: cada grande equipe carioca tem os seus quinze ou vinte marginais, infiltrados entre milhares de trabalhadores de todas as classes sociais, que lamentavelmente acabam prevalecendo. Ainda sonho com o dia de mudança deste paradigma. Afora isso, as duas torcidas fizeram festa no João Havelange, com vantagem numérica nas arquibancadas para São Januário. O Tricolor de coração ainda tem dificuldade de encarar a perda do Maracanã, mas a adaptação ao novo templo se faz necessária. Dentro de campo, o jogo teve seu primeiro tempo mais para o Vasco do que o Fluminense. Eles pareciam melhores, mais organizados e fisicamente agressivos, enquanto nós quase não finalizamos e ainda nos ressentimos das dificuldades físico-técnicas de Fred e Conca, especialmente o maestro argentino, grande responsável pelo inferno de 2009 ter virado céu ano passado. Ainda assim, nos vinte primeiros minutos, Conca acertou um bom chute para a defesa de Prass no canto esquerdo; depois, Fred quase fez um gol de carrinho num momento de pressão do nosso ataque. Mais uma vez, Ricardo Berna foi craque no gol, o maior de nosso time na primeira etapa: cortou um perigoso chute cruzado do zagueiro Anderson Martins. E, quando voou sem conseguir impedir o revés no chute de Éder Luis, a bola explodiu no travessão para nosso alívio, se é que se pode dizer assim. Ainda teve fôlego para impedir um golaço do jovem vascaíno Bernardo, voando no ângulo esquerdo, trocando de mão e espalmando para escanteio. Ainda não tínhamos certeza, mas o fim do jogo viria para confirmar uma difícil estatística: o sexto clássico seguido de Berna sem tomar gols, fato raríssimo em qualquer grande clube. Graças a isso, conseguimos resistir ao veloz time vascaíno liderado pelo veterano craque Felipe. No segundo tempo, meus amigos, Deco veio a campo em lugar de Souza, o que significava a opção de Enderson em trocar o vigor físico pela qualidade técnica. Nosso meio de campo ganhou categoria e passes precisos, mas oferecemos certos espaços ao Vasco, felizmente não-aproveitados. Éder Luiz desperdiçou gol certo em chute diagonal pela direita de ataque. No contra-ataque, Deco acertou lindo chute de curva no canto esquerdo de Prass, que se esticou todo e mandou para escanteio. A supremacia física do Vasco tinha assentado, enquanto ganhávamos mais espaço: até mesmo Julio César, geralmente sem viço, brilhou em dois belos chutes novamente no canto esquerdo, quase tirando o zero do placar; um para fora, perto da trave e o outro defendido pelo arqueiro vascaíno. Nos minutos finais, o Fluminense esteve mais perto do gol sem, no entanto, finalizar com garbo e conseguir os três pontos. No fim, dadas as alternâncias de jogo, foi um empate justo. Por um lado, estamos em má colocação no campeonato; sob outro prisma, já cumprimos nossos dois clássicos do segundo turno, ao passo que os demais times da nossa chave ainda têm as grandes agremiações pelo caminho. Nos últimos dezesseis jogos, nós empatamos com o Vasco em onze vezes. Dessa forma, fica fácil de ler o equilíbrio que tem marcado o confronto entre os dois times. Os debochados diriam que o Fluminense quase não tem vencido o Vasco. Sabemos o que realmente vale quando está escrito. Soubemos parar o grande campeão da Guanabara; ontem, jogamos bem contra a nova sensação da imprensa. Nossa crise, portanto, não é do tamanho que tentam rabiscar. Uma semana de folga e o Fluminense volta suas baterias para uma semana daquelas. Primeiro, vencer o vencer o Volta Redonda na Cidade do Aço, o que já será brita pesada. E depois, a batalha no Uruguai contra o Nacional. Os corações Tricolores hão de bater mais forte. Mas, pensando bem, quando é que não bateram? É a sina, amigos, a velha sina sempre presente em cada escudo de Álvaro Chaves. Não tenho o direito de não confiar no melhor possível. O passado nos ensina.
Thursday, March 31, 2011
Thursday, March 24, 2011
FLUMINENSE 3 X 2 AMÉRICA(MEX) - 23/03/2011
É que Marô fugiu (24/03/2011)
Que palavras ou frases são capazes de descrever a monumental vitória do Fluminense na partida de ontem por três a dois contra o mexicano América? Colossal? Oceânica? Um triunfo capaz de se propagar por gerações? Tudo o que se disser e escrever sobre a noite de ontem será pouco e raso, por mais triunfante que seja. O Fluminense venceu porque ontem não foi apenas a junção de uma camisa secular e vitoriosa, mais uma torcida apaixonada e um time com muita raça; na verdade, o Fluminense era todo uma atmosfera – então, eu vos pergunto: como descrever uma atmosfera? Impossível. O que resta é vivenciá-la.
Ferido de morte para muitos, exceto os nossos, e apenas contundido para outrem, o Tricolor entrou em campo para a batalha decisiva com tudo o que possa se chamar de revés fora das quatro linhas, mais os desfalques da equipe. À beira do campo, o novo assistente e treinador interino Enderson Moreira passava tranqüilidade e, de alguma forma, ele foi responsável por relembrar um dos momentos culminantes da minha vida de torcedor: eu tinha dez anos e vi o então interino Sebastião Araújo comandar uma vitória monumental num Fla-Flu por três a zero, com direito a Paulo Goulart silenciando Zico e a Gávea, com Cristóvão fazendo Manguito desabar em nocaute técnico pelo drible sofrido. Ares do passado a temperar o presente. E como este jogo teve a nostalgia como símbolo, como explicarei mais tarde. Nas arquibancadas, a falta de William e do Presidente Sussekind era outro revés. Mas Álvaro Doria estava escondido em algum lugar do Planeta Engenhão, o que poderia ser um trunfo.
Os treze mil maníacos não falharam nas arquibancadas. Vieram de todos os lugares: trabalho, faculdade, casa da sogra ou até mesmo fugindo da festa das netas, como foi o caso de minha amiga Marô. Os jovens leões foram impecáveis do início ao fim e, para quem não prestou muita atenção nas cadeiras vazias e mesmo nas informações contábeis, o susto era possível: o grito da massa Tricampeã era digno de cinqüenta mil pessoas. Cada um gritou por quatro. Um ou outro desafinou, como o sujeito barbudinho que resolveu encrencar com meu amigo Max Sodré, homem de moda que estava a fotografar os mágicos momentos de ontem; a querela surgiu porque o amigo estava com uma bela camisa da seleção Argentina – o país de Conca -, sendo rapidamente desfeita pela atuação da PM e pelo bom sendo do barbudo ao ver que os amigos do fotógrafo não estavam a fim de briga. Meu amigo Rafael também não fez por menos e, ao se encrespar com outro Tricolor, me impediu de ver o gol de empate marcado pelo veterano (e decisivo) Araújo – a seguir, os beligerantes se abraçaram, se beijaram e quase proporcionaram uma paixão entre iguais, abençoada pelo gol santo. A torcida estava com os nervos à flor da pele, por conta de todo o problema recente, mas gritava e apoiava como nunca. Foi um grande momento. Não lotamos o estádio e nem precisávamos disso. Quando se faz necessário, nosso eco troveja.
Nosso time entrou a todo vapor, com muita vontade e, até pela falta de alternativas, atacava com tudo e a defesa ficava desguarnecida. A todo momento, nossos zagueiros cruzavam bolas arriscadíssimas em frente aos atacantes mexicanos e isso fazia do jogo um ai-jesus. Curiosamente, o gol que tomamos não veio de um lance de maior risco, mas de um "balão" da própria intermediária do América; a bola quicou, Digão e Ricardo Berna se chocaram. O goleiro caiu com a bola na mão e ela se ofereceu livre para o gol de Sánchez, que tinha entrado na dividida. Tomamos o gol porque Berna saiu com excesso de vontade do gol. Não me cabe culpá-lo por tentar segurar a bola em vez de socá-la; sem os socos, ele garantiu em muitos momentos o heróico Tricampeonato em 2010. Foi uma pequena falha, em decorrência da pressão, que se transformou num longo azar. Esse lance não me trouxe qualquer nostalgia: Berna não é Ricardo Pinto.
Não bastasse toda a carga dramática, sair perdendo em casa era mais uma facada na jugular. Mas o Fluminense não desiste: luta até o último minuto. Antes disso, apenas cinco minutos depois, Gum disse a que veio e, com sua cabeçada raçuda na marca do pênalti, na velha jogada de cruzamento diagonal da direita feito por Conca, igualou o placar. O passado veio à tona: era Gum quem estava na área e nos salvou da derrota para o Internacional em 2009, quando o mundo decretava o falecimento do Fluminense. Era Conca que liderava a direita do ataque em bolas paradas para as cabeçadas de Cícero em 2008. Bons presságios à vista, com todo o vigor dos nossos jovens leões rugindo e urrando de leste a oeste do estádio. A partir do empate, ainda tivemos chances de marcar com Souza (que não esteve bem, mas lutou), Fred e Emerson (estes, ainda distantes do ritmo necessário de jogo). No fim, ainda houve tempo para Berna pegar o equivalente a um pênalti, quando defendeu maravilhosamente um chute de Montenegro à queima-roupa. Não conseguimos e descemos para o vestiário pensando em quarenta e cinco minutos de uma grande decisão. Aos poucos, sem que todos percebessem, o Fluminense desfraldava a bandeira da monumental vitória que, claro, só poderia vir caiada com as cores do improvável. A atuação de garra, atitude e vigor que ficou devedora frente ao Boavista estava sendo mais do que quitada. Ressalto a grande atuação de Valencia e a raça de Digão que, não se deixou abater pelo gol e nem pelo que viria à frente. Julio César foi Julio César, mas a torcida soube poupá-lo, sábia que foi.
O segundo tempo foi Tricolor, amigos. Não há o que questionar. Os mexicanos jogaram com dez em seu campo durante toda a primeira metade da fase final. Martelávamos, tentávamos, buscávamos espaço e nada: o chute não saía, a cabeçada não chegava perto. Só a vitória poderia nos redimir, mas nada é fácil para o Fluminense: tudo tem o aroma do sofrimento e da luta. E, num momento em que éramos senhores absolutos da partida, aconteceu uma tragédia: Sánchez, novamente, ao tentar cruzar da esquerda, acabou acertando a bola na direção do gol e encobriu Berna; Digão tentou cortar já em cima da linha, mas a bola já tinha seu destino traçado. Nostalgia: era Lico encobrindo Paulo Victor em 1981. O América passou à frente no marcador a vinte minutos do fim do jogo, o que nos eliminaria da Libertadores. Pela primeira vez o estádio foi tomado pelo silêncio – a derrota era a própria morte se avizinhando. Era? Evidentemente, não. O Fluminense não perde nenhum jogo por decreto, vontade da imprensa ou outras baixarias. Recomeçar.
Foi então que os supostos coadjuvantes se tornaram protagonistas e escreveram uma das mais belas páginas da literatura Tricolor. He-Man (que substituiu Emerson) já tem atuado com muita raça e valentia, além de ter feito vários gols, mas Araújo (que entrou em lugar de Júlio César) e Deco (no lugar de Mariano, contundido) eram dúvida sobre o que poderíamos esperar daquilo que pareceria um milagre para times comuns, mas não para o Fluminense. Resposta pronta: decidiram. O Luso tinha jogado com excelência pela última vez contra o São Paulo, na maravilhosa vitória em Barueri, e vinha de longa inatividade. Mostrou o que era preciso: classe e categoria no cruzamento da direita do ataque, já dentro da grande área. Alçou com maestria. Araújo deslocou o goleiro, cabeceando com enorme categoria no canto esquerdo do goleiro Naverrete. A implacável nostalgia aconteceu de novo: pensei em Aldo e Assis destroçando Fillol em 1984. Leo gritava na arquibancada que iríamos virar. Calei e acreditei.
O final de jogo foi daqueles que só os torcedores do Fluminense vivenciam. Um pinga-pinga após cruzamento da direita, a bola bate nas cabeças de Fred e He-Man. Deco aparece pela esquerda no bico da pequena área, dá um toque de gênio e encobre Navarrete. A bola quica mansamente em cima da linha e ganha as redes. Leo estava certo. Não foi de cabeça, mas reparem o quanto o gol de Deco tem a ver com o de Antonio Carlos em 2005. Três a dois, gol aos quarenta e um do segundo tempo quando tudo parecia perdido; a nostalgia me vence com sobras: 25/06/1995. Longe do Engenhão, irritados editores ordenaram: “Bota qualquer porcaria aí nessa manchete”. Hoje, testemunhei primeiras páginas tímidas em relação à monumental vitória de ontem. Eles acusaram o golpe: lembraram da corrida solitária de Renato naquele outro três a dois.
O Fluminense nasceu para subverter o óbvio e desafiar paradigmas. Ou simplesmente justificar com galhardia a fuga da Marô da festa das netas. Ontem, um lindo capítulo desta história infinita foi brilhantemente redigido. Não é que sejamos tomados pela empáfia do outro lado da zona sul, longe disso. Nada foi ganho, a situação ainda é muito difícil e a classificação à segunda fase ainda é um sonho; entretanto, ninguém vai apagar da memória este maravilhoso jogo Tricolor, honrando sua eterna sina: frente a frente com o perigo de morte, passou por cima dele como um trator vigoroso. É lógico que queremos a classificação, mas sabemos das dificuldades. O que quero dizer é que esta não foi apenas uma vitória monumental, como milhares que já tivemos. Tratou-se de um triunfo que salvou o ano e a dignidade da camisa das Laranjeiras. Dez minutos de futebol de Deco que valeram uma temporada.
Enderson Moreira deve ter sentido uma grande emoção. Ele sabe que nem com um milhão de reais na mão é possível comprar uma vitória como essa que o Fluminense impôs ao América do México. Nós não comemoramos antes da hora; esperamos até o último minuto. Talvez não seja apenas pela sina; também temos um pequeno desejo de irritar a oposição. Tem sido assim desde um outro fatídico três a dois: o de 1912. O amarelo do uniforme do América me lembrou de outra coisa, mas isso já não tem a menor importância.
Paulo-Roberto Andel
Que palavras ou frases são capazes de descrever a monumental vitória do Fluminense na partida de ontem por três a dois contra o mexicano América? Colossal? Oceânica? Um triunfo capaz de se propagar por gerações? Tudo o que se disser e escrever sobre a noite de ontem será pouco e raso, por mais triunfante que seja. O Fluminense venceu porque ontem não foi apenas a junção de uma camisa secular e vitoriosa, mais uma torcida apaixonada e um time com muita raça; na verdade, o Fluminense era todo uma atmosfera – então, eu vos pergunto: como descrever uma atmosfera? Impossível. O que resta é vivenciá-la.
Ferido de morte para muitos, exceto os nossos, e apenas contundido para outrem, o Tricolor entrou em campo para a batalha decisiva com tudo o que possa se chamar de revés fora das quatro linhas, mais os desfalques da equipe. À beira do campo, o novo assistente e treinador interino Enderson Moreira passava tranqüilidade e, de alguma forma, ele foi responsável por relembrar um dos momentos culminantes da minha vida de torcedor: eu tinha dez anos e vi o então interino Sebastião Araújo comandar uma vitória monumental num Fla-Flu por três a zero, com direito a Paulo Goulart silenciando Zico e a Gávea, com Cristóvão fazendo Manguito desabar em nocaute técnico pelo drible sofrido. Ares do passado a temperar o presente. E como este jogo teve a nostalgia como símbolo, como explicarei mais tarde. Nas arquibancadas, a falta de William e do Presidente Sussekind era outro revés. Mas Álvaro Doria estava escondido em algum lugar do Planeta Engenhão, o que poderia ser um trunfo.
Os treze mil maníacos não falharam nas arquibancadas. Vieram de todos os lugares: trabalho, faculdade, casa da sogra ou até mesmo fugindo da festa das netas, como foi o caso de minha amiga Marô. Os jovens leões foram impecáveis do início ao fim e, para quem não prestou muita atenção nas cadeiras vazias e mesmo nas informações contábeis, o susto era possível: o grito da massa Tricampeã era digno de cinqüenta mil pessoas. Cada um gritou por quatro. Um ou outro desafinou, como o sujeito barbudinho que resolveu encrencar com meu amigo Max Sodré, homem de moda que estava a fotografar os mágicos momentos de ontem; a querela surgiu porque o amigo estava com uma bela camisa da seleção Argentina – o país de Conca -, sendo rapidamente desfeita pela atuação da PM e pelo bom sendo do barbudo ao ver que os amigos do fotógrafo não estavam a fim de briga. Meu amigo Rafael também não fez por menos e, ao se encrespar com outro Tricolor, me impediu de ver o gol de empate marcado pelo veterano (e decisivo) Araújo – a seguir, os beligerantes se abraçaram, se beijaram e quase proporcionaram uma paixão entre iguais, abençoada pelo gol santo. A torcida estava com os nervos à flor da pele, por conta de todo o problema recente, mas gritava e apoiava como nunca. Foi um grande momento. Não lotamos o estádio e nem precisávamos disso. Quando se faz necessário, nosso eco troveja.
Nosso time entrou a todo vapor, com muita vontade e, até pela falta de alternativas, atacava com tudo e a defesa ficava desguarnecida. A todo momento, nossos zagueiros cruzavam bolas arriscadíssimas em frente aos atacantes mexicanos e isso fazia do jogo um ai-jesus. Curiosamente, o gol que tomamos não veio de um lance de maior risco, mas de um "balão" da própria intermediária do América; a bola quicou, Digão e Ricardo Berna se chocaram. O goleiro caiu com a bola na mão e ela se ofereceu livre para o gol de Sánchez, que tinha entrado na dividida. Tomamos o gol porque Berna saiu com excesso de vontade do gol. Não me cabe culpá-lo por tentar segurar a bola em vez de socá-la; sem os socos, ele garantiu em muitos momentos o heróico Tricampeonato em 2010. Foi uma pequena falha, em decorrência da pressão, que se transformou num longo azar. Esse lance não me trouxe qualquer nostalgia: Berna não é Ricardo Pinto.
Não bastasse toda a carga dramática, sair perdendo em casa era mais uma facada na jugular. Mas o Fluminense não desiste: luta até o último minuto. Antes disso, apenas cinco minutos depois, Gum disse a que veio e, com sua cabeçada raçuda na marca do pênalti, na velha jogada de cruzamento diagonal da direita feito por Conca, igualou o placar. O passado veio à tona: era Gum quem estava na área e nos salvou da derrota para o Internacional em 2009, quando o mundo decretava o falecimento do Fluminense. Era Conca que liderava a direita do ataque em bolas paradas para as cabeçadas de Cícero em 2008. Bons presságios à vista, com todo o vigor dos nossos jovens leões rugindo e urrando de leste a oeste do estádio. A partir do empate, ainda tivemos chances de marcar com Souza (que não esteve bem, mas lutou), Fred e Emerson (estes, ainda distantes do ritmo necessário de jogo). No fim, ainda houve tempo para Berna pegar o equivalente a um pênalti, quando defendeu maravilhosamente um chute de Montenegro à queima-roupa. Não conseguimos e descemos para o vestiário pensando em quarenta e cinco minutos de uma grande decisão. Aos poucos, sem que todos percebessem, o Fluminense desfraldava a bandeira da monumental vitória que, claro, só poderia vir caiada com as cores do improvável. A atuação de garra, atitude e vigor que ficou devedora frente ao Boavista estava sendo mais do que quitada. Ressalto a grande atuação de Valencia e a raça de Digão que, não se deixou abater pelo gol e nem pelo que viria à frente. Julio César foi Julio César, mas a torcida soube poupá-lo, sábia que foi.
O segundo tempo foi Tricolor, amigos. Não há o que questionar. Os mexicanos jogaram com dez em seu campo durante toda a primeira metade da fase final. Martelávamos, tentávamos, buscávamos espaço e nada: o chute não saía, a cabeçada não chegava perto. Só a vitória poderia nos redimir, mas nada é fácil para o Fluminense: tudo tem o aroma do sofrimento e da luta. E, num momento em que éramos senhores absolutos da partida, aconteceu uma tragédia: Sánchez, novamente, ao tentar cruzar da esquerda, acabou acertando a bola na direção do gol e encobriu Berna; Digão tentou cortar já em cima da linha, mas a bola já tinha seu destino traçado. Nostalgia: era Lico encobrindo Paulo Victor em 1981. O América passou à frente no marcador a vinte minutos do fim do jogo, o que nos eliminaria da Libertadores. Pela primeira vez o estádio foi tomado pelo silêncio – a derrota era a própria morte se avizinhando. Era? Evidentemente, não. O Fluminense não perde nenhum jogo por decreto, vontade da imprensa ou outras baixarias. Recomeçar.
Foi então que os supostos coadjuvantes se tornaram protagonistas e escreveram uma das mais belas páginas da literatura Tricolor. He-Man (que substituiu Emerson) já tem atuado com muita raça e valentia, além de ter feito vários gols, mas Araújo (que entrou em lugar de Júlio César) e Deco (no lugar de Mariano, contundido) eram dúvida sobre o que poderíamos esperar daquilo que pareceria um milagre para times comuns, mas não para o Fluminense. Resposta pronta: decidiram. O Luso tinha jogado com excelência pela última vez contra o São Paulo, na maravilhosa vitória em Barueri, e vinha de longa inatividade. Mostrou o que era preciso: classe e categoria no cruzamento da direita do ataque, já dentro da grande área. Alçou com maestria. Araújo deslocou o goleiro, cabeceando com enorme categoria no canto esquerdo do goleiro Naverrete. A implacável nostalgia aconteceu de novo: pensei em Aldo e Assis destroçando Fillol em 1984. Leo gritava na arquibancada que iríamos virar. Calei e acreditei.
O final de jogo foi daqueles que só os torcedores do Fluminense vivenciam. Um pinga-pinga após cruzamento da direita, a bola bate nas cabeças de Fred e He-Man. Deco aparece pela esquerda no bico da pequena área, dá um toque de gênio e encobre Navarrete. A bola quica mansamente em cima da linha e ganha as redes. Leo estava certo. Não foi de cabeça, mas reparem o quanto o gol de Deco tem a ver com o de Antonio Carlos em 2005. Três a dois, gol aos quarenta e um do segundo tempo quando tudo parecia perdido; a nostalgia me vence com sobras: 25/06/1995. Longe do Engenhão, irritados editores ordenaram: “Bota qualquer porcaria aí nessa manchete”. Hoje, testemunhei primeiras páginas tímidas em relação à monumental vitória de ontem. Eles acusaram o golpe: lembraram da corrida solitária de Renato naquele outro três a dois.
O Fluminense nasceu para subverter o óbvio e desafiar paradigmas. Ou simplesmente justificar com galhardia a fuga da Marô da festa das netas. Ontem, um lindo capítulo desta história infinita foi brilhantemente redigido. Não é que sejamos tomados pela empáfia do outro lado da zona sul, longe disso. Nada foi ganho, a situação ainda é muito difícil e a classificação à segunda fase ainda é um sonho; entretanto, ninguém vai apagar da memória este maravilhoso jogo Tricolor, honrando sua eterna sina: frente a frente com o perigo de morte, passou por cima dele como um trator vigoroso. É lógico que queremos a classificação, mas sabemos das dificuldades. O que quero dizer é que esta não foi apenas uma vitória monumental, como milhares que já tivemos. Tratou-se de um triunfo que salvou o ano e a dignidade da camisa das Laranjeiras. Dez minutos de futebol de Deco que valeram uma temporada.
Enderson Moreira deve ter sentido uma grande emoção. Ele sabe que nem com um milhão de reais na mão é possível comprar uma vitória como essa que o Fluminense impôs ao América do México. Nós não comemoramos antes da hora; esperamos até o último minuto. Talvez não seja apenas pela sina; também temos um pequeno desejo de irritar a oposição. Tem sido assim desde um outro fatídico três a dois: o de 1912. O amarelo do uniforme do América me lembrou de outra coisa, mas isso já não tem a menor importância.
Paulo-Roberto Andel
Monday, March 21, 2011
FLUMINENSE 0 X 2 BOAVISTA (19/03/2011)
Um desastre pontual (21/03/2011)
Nesta tarde de segunda-feira, após sete dias ininterruptos de crise, o Fluminense anunciou o nome de Gilson Kleina para o cargo de técnico interino até se que finalize a novela Abel. É difícil dizer o que esperar num momento como esse, até porque estamos a dois dias de uma batalha decisiva na história das Laranjeiras: o jogo contra os mexicanos do América no Engenhão, onde não há alternativa que não seja a vitória, seja como for. Hoje, somos mais do mesmo: vamos para um jogo complicadíssimo depois de uma das piores atuações do Fluminense em anos, que foi a de sábado na derrota para o Boavista por dois gols a zero, talvez só comparável aos momentos terríveis de 2008 e 2009, felizmente superados. E é justamente por conta desta derrota que trago comigo a esperança previsível a qualquer torcedor Tricolor: não temos condições de jogar tão mal duas partidas seguidas. Só podemos melhorar, mesmo que sob confusão.
Derrotas acontecem. Derrotas são parte componente do pacote de emoções chamado futebol. O problema é como determinadas derrotas acontecem. Depois de uma semana de baixarias nos noticiários, apimentadas pelos pontapés verbais de Muricy (muitas vezes acertando apenas o vento) e a confusão que reina na dirigência das Laranjeiras, era possível esperar por uma atuação de garra do grupo Tricolor numa partida que não significa muito do ponto de vista da colocação, mas muito em termos psicológicos: já tínhamos sete pontos, uma vitória magra nos daria ao menos a co-liderança de nossa chave no Rio e, se alguma derrota viesse a acontecer – o que se confirmou – não haveria um 11 de setembro em Álvaro Chaves por conta do campeonato estadual, mas o prejuízo ficaria todo para a decisão contra os mexicanos. Repito: a derrota acontece muitas vezes, algumas até injustamente (longe de ser o caso de anteontem), mas o que se torna inadmissível num jogo de futebol é a falta de comprometimento com a partida, o que me pareceu evidente em alguns (poucos) jogadores que atuaram contra o Boavista.
Os sete mil maníacos não falharam e emprestaram sua voz ao time, durante boa parte do jogo e principalmente no primeiro tempo, onde nosso único lance maior foi a linda matada no peito de Rafael Moura e a conclusão de primeira para a defesa do goleiro Thiago. O time do Fluminense não vinha tão mal no decorrer da primeira etapa, mas é certo que deveria ter modificações para a segunda – estávamos carentes de melhor finalização e a bola não parava em nosso ataque: ora Rafael tentava, mas sem êxito, ora Emerson era desarmado. Conca jogava regularmente, mas sem o grande brilho esperado. Mariano e Carlinhos erravam tudo o que era possível. Ruim com eles, pior sem um deles: o lateral-esquerdo saiu contundido e deu seu lugar a Julio César, o que garantiu a total ausência de velocidade e jogadas de linha de fundo. Antes disso, Euzébio também se machucou e deu lugar a Digão, que entrou com a disposição e a eficiência de sempre, sem nenhuma culpa pelo desastre que se verificaria a seguir. Marquinho também errava, mas com muita garra tentava atenuar o problema. E Berna, cada vez melhor, evitou ao menos dois gols do Boavista no primeiro tempo, o que não foi suficiente para evitar nossa derrota parcial tendo em vista a excelente cobrança de falta feita por Gustavo, acertando o ângulo esquerdo do nosso gol. No estádio, talvez irritado pela modorra Tricolor, cheguei a achar que Berna poderia ter feito a defesa; vendo com calma na televisão, descartei qualquer possibilidade de falha e ainda tive motivos para gargalhar, mesmo depois da tristeza pela derrota: o comentarista Ronaldo Castro afirmou que o excelente goleiro não fez a defesa porque tem baixa estatura. Berna tem quase um metro e noventa, mais precisamente um metro e oitenta e oito, apenas um centímetro a menos do que o goleiro preferido do comentarista – o Perseguido.
No segundo tempo, era esperada uma reação com garra, com vontade, ao menos para compensar a deficiência técnica do time. Não aconteceu. Fred entrou em campo no lugar de Rafael Moura (erradamente e talvez por decisão própria), mas nitidamente estava fora de forma, o que comprometeu sua atuação inclusive na perda de um gol feito, chutando por cima do travessão uma bola recebida quase na pequena área. Na defesa, Digão fazia o que podia, Diogo e Diguinho lutavam, mas o time não trocava três passes certos, não conseguia agredir o Boavista com convicção e dava todo espaço para contra-ataques, o que foi irritando parte da torcida presente que, com todo o direito, reclamou e vaiou. Entendo que o momento é de união e que vaias põem atrapalhar, mas não posso depor contra meu passado: vi times com craques como Ricardo e Edinho, Delei e Robertinho, Paulinho e Assis; todos esses em algum momento jogaram num time vaiado, mas souberam escrever as páginas da eternidade Tricolor em campo. Eles puderam receber as vaias, qualquer um também pode. O jogador que não estiver preparado para pressão e cobranças não pode jogar em clubes de massa como o Fluminense. Ao que me lembre, de todos os que foram pontualmente vaiados, só discordaria do nome de Marquinho que, se não conseguiu produzir quase nada com qualidade, ao menos lutou muito se comparado com a lentidão e a mediocridade de outros. Outra parte da torcida também exerceu o seu direito de gritar e, ao seu entendimento, incentivar o time, o que me pareceu inócuo diante da péssima performance em campo que parte do time mostrava sem conseguir uma tabela sequer. Emerson, que não acertou três passes durante a partida, levantou os braços para pedir gritos. Entendo e respeito, só que sou de um tempo onde o jogador não precisava pedir apoio à torcida: com garra e técnica em campo, ela responde à altura. Em tempo: se não tivéssemos vaiado as más performances de Cavalieri, ele teria continuado como titular e, talvez, o Fluminense só tivesse um único ponto na Libertadores, estando eliminado previamente. O hoje goleiro reserva tem qualidades, só que vinha de longa reserva e não deveria ter estreado naquele momento; hoje, chega a ser até inacreditável alguém contestar a titularidade de Berna. Reitero, Tricolores, a hora é de união e apoio, mas o time precisa dar em campo a sua contrapartida muito superior à apresentada neste jogo contra o Boavista, que deu números finais à noite com uma jogada curiosa, que começou com um corta-luz do árbitro... até a bola chegar a Tony, livre, que fuzilou o canto esquerdo de Berna, com a bola ainda roçando a trave antes de entrar. Os sete mil maníacos emudeceram; em seguida, alguns vociferaram e outros incentivaram. É preciso respeitar as diferenças. Não havia como reagir em campo sem acertar três passes. No mais, cabe o agradecimento a Ronaldo Torres por não ter se furtado a ajudar em momento tão delicado, mesmo que fora da sua função profissional específica. No fim, ainda poderia ser pior: levamos uma bola na trave direita.
Depois de manhã o Fluminense tem a reprise de mais um dos milhares de capítulos em sua centenária história: precisa desesperadamente vencer um rival e lutar contra as próprias limitações. Com uma dirigência vacilante, interesses extra-campo que afetam o futebol, ainda sem o técnico definitivo (Kleina é um paliativo), desfalcado de três titulares (Euzébio, Carlinhos e Diogo, este por não ter sido inscrito na Libertadores) e com o desânimo de parte de sua imensa torcida, o Fluminense parte para mais um confronto épico. Eu sempre acredito e, por isso, já testemunhei momentos incríveis desta legendária camisa que prima por jamais desistir antes do último minuto. O momento é de união nas arquibancadas e de contrapartida dos jogadores em campo: quem puder, ofereça jogadas geniais e gols; quem não puder, traga raça e disposição. Os ratos abandonaram o navio Tricolor, mas este segue firme em sua permanente sede de conquistas. Limpemos o convés.
Paulo-Roberto Andel
Friday, March 18, 2011
Thursday, March 17, 2011
NÃO PERDEREMOS ANTES DO FIM!
Neste exato momento, quando se trata de Fluminense, os meios de comunicação apontam somente para uma direção: a crise infinita, a derrota, a perda antecipada. É certo que, fora de campo, as semanas recentes do comando Tricolor têm sido desastrosas, no mínimo. Porém, dentro de campo, mesmo que timidamente, o Fluminense tem ensaiado passos de reação desde a derrota para os mexicanos do América, partida onde atuou de igual para igual e foi golpeado quase no fim do jogo, por conta de falha individual. Desde o jogo internacional, tivemos uma vitória sofrida contra o Resende, uma boa vitória contra o América do Rio e freamos o bonde-sensação. Contudo, é evidente que depois da saída conturbadíssima de Muricy, o Fluminense tem recebido o tratamento-padrão de microtime, como se isso fosse possível ou tivesse algum mínimo senso lógico.
Pois bem, terça passada o surpreendente Nacional de Montevideo derrotou os Argentinos Juniors fora de casa pelo escore menor; com isso, o grupo 3 da Libertadores ficou emboladíssimo. Uma vitória contra o América do México na próxima quarta-feira, no Engenhão, nos coloca na luta pela classificação de novo. Só a vitória interessa; em caso positivo, ficaremos a dois pontos do líder Argentinos Juniors e a um do próprio América, os classificados “caso o campeonato terminasse hoje”, mofada expressão entre justas aspas muito utilizada quando queriam nos rebaixar por decreto em 2008 e 2009.
Se essa vitória mínima for obtida no próximo jogo da Libertadores, reitero: liderar um grupo à nossa frente com apenas dois pontos a duas rodadas do fim não é nada. Noutras vezes, já superamos centenários campeões pré-datados que, na hora H, tiveram insuficiência de fundos – ou melhor, pontos. A velha camisa das Laranjeiras ainda está de pé.
Mais uma vez, como tem sido em nossa magnífica história, estamos diante de um enorme desafio: superar uma crise fora de campo, sem um treinador efetivo e precisando desesperadamente de três pontos na Libertadores. Tal como noutras jornadas, parece tudo muito difícil; tão tal quanto, é muito longe do impossível.
Quarta-feira é uma grande decisão. Antes disso, um bom jogo contra o Boavista, que nos eliminou com justiça da Guanabara, pode ser um termômetro das nossas chances. Uma coisa seria muito importante: uma promoção impactante no preços dos ingressos para o jogo contra o América. Isso não acontecerá como devido e razoável, já se sabe. Fora das quatro linhas, não à beira do gramado (temporariamente muito bem-cuidado pelo excelente profissional Ronaldo Torres), o Fluminense titubeia e muito. Está vacilante, atônito, perdido entre vaidades e interesses alheios à torcida Tricolor. Agora, dentro das quatro linhas, não duvido que toda essa celeuma recente possa servir de combustível para uma reação típica de Álvaro Chaves: muita garra, aplicação e perseverança até o último minuto, como reza a nossa tradição, como é a nossa eterna sina.
Nada está perdido. Nada. De resto, não são manchetes de cinqüenta centavos que vão calar a voz da fantástica e apaixonada torcida do Fluminense. Não importa que tenhamos no Engenhão cinco, dez ou quinze mil maníacos: eles soarão como cem mil. Lá estarão os Benditos, os Jornalheiros, os Fluorkut, as torcidas organizadas e avulsas, nossas lindas torcedores; gente de todos os blocos, vielas, avenidas e becos. Nada me abala: quem viu os gols de Edinho, Assis, Romerito, Renato, Antonio Carlos, Roger e Emerson há de entender o que quero dizer. Nada é fácil para nós. Em 2008, tivemos a melhor pontuação na primeira fase da Libertadores e sofremos com lágrimas na última vitória, frente aos penais. Quem há de saber ou não se o momento é de reescrever esta história pelo avesso? Não se iludam os ingênuos: em 2007, revertemos quatro vantagens de mando de campo para conquistarmos a Copa do Brasil. Conseguir essa vaga no grupo 3 é tarefa hercúlea – e, por isso mesmo – nada muito diferente do que já fizemos em passados distantes e recentes. Somos o time do último minuto; a história é testemunha.
Tal como escrevi muitas vezes em outras crônicas, eu já vi esse filme antes. E, em muitas vezes, deixei o cinema com um insuperável aroma de felicidade. Espero a reprise desta sensação com serenidade. Quem espera sempre alcança.
Paulo-Roberto Andel, 17/03/2011
FLAMENGO 0 X 0 FLUMINENSE (13/03/2011)
O desafio (14/03/2011)
Os ouvidos mais atentos já desconfiavam de que algo desafinava nas Laranjeiras, desde os maus momentos na Libertadores e, mais recentemente, na terrível perda da Guanabara diante dos penais contra o Boavista. Não era de ontem, anteontem e muito mais tempo. O céu de Álvaro Chaves tinha nuvens espessas, contrariando os dias de verão interminável no Rio de Janeiro. Vejam a seqüência passada: fizemos um bom jogo, de igual para igual na cidade do México e perdemos num momento de falha individual, já decorridos dois terços da partida; a seguir, no sábado cinza de Carnaval, colocamos nosso bloco na rua diante do bom time do Resende, que nos impôs forte pressão ofensiva em boa parte do tempo, mas soubemos segurar a vitória e contar com a aguardada estréia real do veterano Araújo, jogando bem e sendo decisivo. A quarta-feira de Cinzas trouxe à nossa frente o velho e destemido América, velho e perigoso, mas soubemos nos impor e vencemos com relativa tranquilidade e, mais do que vencer, razoavelmente convencer: o Fluminense melhorou na marcação e nos ataques, Conca começou a mostrar que se recupera da cirurgia e caminha para voltar à grande forma de 2011. Depois de uma derrota fora de casa que poderia ter sido evitada, tudo levava a crer que o Fluminense voltaria ao caminho das vitórias e do bom futebol. Nenhum jogo poderia ser mais impactante do que um Fla-Flu para mostrar a realidade desta reação: a Gávea, eternamente decantada como a grande favorita, voando pelos trilhos com seu bonde sem freio, poderia nos ajudar a decifrar qual seria nosso verdadeiro momento. Não chegamos a fazer o papel de poste, mas emperramos os trilhos e, por pouco, o bonde não chegou à lona pela primeira vez em 2011. De todos os jogos que citei, unanimidade houve apenas uma: a sensacional fase de Ricardo Berna, fechando o gol em todos estes confrontos e mostrando que sua barração era um equívoco. Porém amigos, a neblina era bem mais espessa do que se poderia supor; findo o jogo, os rumores que já corriam os noticiários desde a semana passada se confirmaram e, por conta disso, Muricy não é mais o treinador do Tricolor. O que prometia ser um presente e futuro brilhantes a contar de dezembro passado virou fumaça, provocada por um ou mais fatores dentro do incendiário cenário do Fluminense e, sem que saibamos os reais motivos (ao menos desconfiamos), o melhor técnico do futebol brasileiro deixou as Laranjeiras. E é por conta disso que este Fla-Flu será lembrado, ainda que tenha sido um jogo disputado com galhardia pelas duas equipes.
Desconfiada e sabedora de que o mau presságio se aproximara, a torcida do Fluminense teve presença tímida no Engenhão em relação ao seu potencial. Contudo, deixo claro meu seguinte ponto de vista: que não falem da ridícula bilheteria na vitória contra o Resende! Um jogo que terminava quase às nove da noite do sábado de carnaval, com um time desfalcado, com ingressos caros e um time às portas da crise não faria nenhuma torcida do mundo, mais-querida ou não, encher qualquer estádio. Mostramos nossa força na quarta de cinzas: os quatro mil maníacos não falharam. E ontem, bem sabemos, a imprensa esconde uma informação fundamental: a de que um mínimo grupo de torcedores do Flamengo, insignificante diante de sua gigantesca torcida, mas suficiente para provocar enorme confusão e prática de atos violentos nas imediações dos estádios, afugenta muitas famílias e casais Tricolores – tudo, claro, somado ao exótico horário imposto pela televisão e os ingressos muito caros compõem arquibancadas ociosas. Diante de tantos aspectos extra-campo que precisam ser reavaliados pela dirigência do Fluminense, a questão dos ingressos é uma evidência: não se faz um grande time para arquibancadas vazias, tampouco com uma duvidosa elitização da platéia. Talvez dê certo em Londres, Roma ou Paris, mas não no Rio de Janeiro, mesmo no Brasil.
Enquanto o Fla-Flu mostrava turbinas ligadas em campo, com os rubro-negros dominando o primeiro tempo e nós o segundo, com excelentes participações dos goleiros - e, reitero, mais uma grande atuação de Berna - mais o curioso contraste de ver Emerson e Neves lutando contra as camisas que os consagraram, chamava atenção o silêncio de Muricy nas poucas vezes que esteve à beira do gramado. Estava tudo decidido desde antes, bem antes: ali era sua última atuação como técnico do Fluminense. Na outra área, Wanderlei vibrava como nunca ao comandar o time de seu coração; não é que o profissional do futebol tenha que torcer para o time onde joga ou trabalha fora de campo, mas é inegável que num ambiente que se respira paixão, certos detalhes fazem a diferença. Os minutos passavam, repórteres cogitavam, os bem-informados dissimulavam. Num certo momento, o Fla-Flu perdeu parte de sua centenária magia para um disse-me-disse que chamou a atenção até dos flamengos. Alguma coisa estava errada, mas não propriamente neste jogo que, por injustiça, passou com as redes em branco; era algo de longe, muito mais longe do que talvez ainda possamos imaginar. Não me aterei a comentar a catastrófica entrevista da dirigência Tricolor pós-jogo, ou mesmo a demissão de Antunes às vésperas de jogo tão importante (já estava há tempos, era apenas questão de escolher o momento, mas optaram pelo pior possível); apostar que tudo não passava de coisa recente seria de uma ingenuidade que não podemos mais desfrutar. Também não comentarei a saída de Muricy, sem entrevistas, em silêncio, pelos fundos do Engenhão. Todos estes fatos são claramente adversários de tudo o que a nossa torcida almeja e merece.
O Fla-Flu terminou sem gols. Paramos os campeões da Guanabara. Contudo, o que deveria ser recuperação se transformou numa derrota fragorosa: o dia em que o Fluminense foi goleado por cartolagens. Não tenho como falar de grandes lances, jogadas apoteóticas, o pulsar interminável das torcidas. Empatamos, mas fomos derrotados por nós mesmos, pelos nossos. À nossa frente, o caminho de sempre, um interminável desafio. Debaixo de uma crise criada por nossa própria cúpula, sem o treinador, partimos para mais uma daquelas façanhas que só os Tricolores – sem unanimidade – são capazes de acreditar. O que nos leva à frente não é o presente, mas o passado dessa majestosa camisa que, quanto mais agredida e vilipendiada é, mais força mostra diante das intempéries. Eu já vivi isso muitas vezes: o Tricolor não é um alienado que vive num mundo onde tudo é vitória e conquista. Mas temos um vasto repertório de quebrar o braço do suposto impossível. O Fluminense é muito maior do que interesses monetários, desmandos e picuinhas. Nossa camisa há de louvar isso.
Paulo-Roberto Andel
Os ouvidos mais atentos já desconfiavam de que algo desafinava nas Laranjeiras, desde os maus momentos na Libertadores e, mais recentemente, na terrível perda da Guanabara diante dos penais contra o Boavista. Não era de ontem, anteontem e muito mais tempo. O céu de Álvaro Chaves tinha nuvens espessas, contrariando os dias de verão interminável no Rio de Janeiro. Vejam a seqüência passada: fizemos um bom jogo, de igual para igual na cidade do México e perdemos num momento de falha individual, já decorridos dois terços da partida; a seguir, no sábado cinza de Carnaval, colocamos nosso bloco na rua diante do bom time do Resende, que nos impôs forte pressão ofensiva em boa parte do tempo, mas soubemos segurar a vitória e contar com a aguardada estréia real do veterano Araújo, jogando bem e sendo decisivo. A quarta-feira de Cinzas trouxe à nossa frente o velho e destemido América, velho e perigoso, mas soubemos nos impor e vencemos com relativa tranquilidade e, mais do que vencer, razoavelmente convencer: o Fluminense melhorou na marcação e nos ataques, Conca começou a mostrar que se recupera da cirurgia e caminha para voltar à grande forma de 2011. Depois de uma derrota fora de casa que poderia ter sido evitada, tudo levava a crer que o Fluminense voltaria ao caminho das vitórias e do bom futebol. Nenhum jogo poderia ser mais impactante do que um Fla-Flu para mostrar a realidade desta reação: a Gávea, eternamente decantada como a grande favorita, voando pelos trilhos com seu bonde sem freio, poderia nos ajudar a decifrar qual seria nosso verdadeiro momento. Não chegamos a fazer o papel de poste, mas emperramos os trilhos e, por pouco, o bonde não chegou à lona pela primeira vez em 2011. De todos os jogos que citei, unanimidade houve apenas uma: a sensacional fase de Ricardo Berna, fechando o gol em todos estes confrontos e mostrando que sua barração era um equívoco. Porém amigos, a neblina era bem mais espessa do que se poderia supor; findo o jogo, os rumores que já corriam os noticiários desde a semana passada se confirmaram e, por conta disso, Muricy não é mais o treinador do Tricolor. O que prometia ser um presente e futuro brilhantes a contar de dezembro passado virou fumaça, provocada por um ou mais fatores dentro do incendiário cenário do Fluminense e, sem que saibamos os reais motivos (ao menos desconfiamos), o melhor técnico do futebol brasileiro deixou as Laranjeiras. E é por conta disso que este Fla-Flu será lembrado, ainda que tenha sido um jogo disputado com galhardia pelas duas equipes.
Desconfiada e sabedora de que o mau presságio se aproximara, a torcida do Fluminense teve presença tímida no Engenhão em relação ao seu potencial. Contudo, deixo claro meu seguinte ponto de vista: que não falem da ridícula bilheteria na vitória contra o Resende! Um jogo que terminava quase às nove da noite do sábado de carnaval, com um time desfalcado, com ingressos caros e um time às portas da crise não faria nenhuma torcida do mundo, mais-querida ou não, encher qualquer estádio. Mostramos nossa força na quarta de cinzas: os quatro mil maníacos não falharam. E ontem, bem sabemos, a imprensa esconde uma informação fundamental: a de que um mínimo grupo de torcedores do Flamengo, insignificante diante de sua gigantesca torcida, mas suficiente para provocar enorme confusão e prática de atos violentos nas imediações dos estádios, afugenta muitas famílias e casais Tricolores – tudo, claro, somado ao exótico horário imposto pela televisão e os ingressos muito caros compõem arquibancadas ociosas. Diante de tantos aspectos extra-campo que precisam ser reavaliados pela dirigência do Fluminense, a questão dos ingressos é uma evidência: não se faz um grande time para arquibancadas vazias, tampouco com uma duvidosa elitização da platéia. Talvez dê certo em Londres, Roma ou Paris, mas não no Rio de Janeiro, mesmo no Brasil.
Enquanto o Fla-Flu mostrava turbinas ligadas em campo, com os rubro-negros dominando o primeiro tempo e nós o segundo, com excelentes participações dos goleiros - e, reitero, mais uma grande atuação de Berna - mais o curioso contraste de ver Emerson e Neves lutando contra as camisas que os consagraram, chamava atenção o silêncio de Muricy nas poucas vezes que esteve à beira do gramado. Estava tudo decidido desde antes, bem antes: ali era sua última atuação como técnico do Fluminense. Na outra área, Wanderlei vibrava como nunca ao comandar o time de seu coração; não é que o profissional do futebol tenha que torcer para o time onde joga ou trabalha fora de campo, mas é inegável que num ambiente que se respira paixão, certos detalhes fazem a diferença. Os minutos passavam, repórteres cogitavam, os bem-informados dissimulavam. Num certo momento, o Fla-Flu perdeu parte de sua centenária magia para um disse-me-disse que chamou a atenção até dos flamengos. Alguma coisa estava errada, mas não propriamente neste jogo que, por injustiça, passou com as redes em branco; era algo de longe, muito mais longe do que talvez ainda possamos imaginar. Não me aterei a comentar a catastrófica entrevista da dirigência Tricolor pós-jogo, ou mesmo a demissão de Antunes às vésperas de jogo tão importante (já estava há tempos, era apenas questão de escolher o momento, mas optaram pelo pior possível); apostar que tudo não passava de coisa recente seria de uma ingenuidade que não podemos mais desfrutar. Também não comentarei a saída de Muricy, sem entrevistas, em silêncio, pelos fundos do Engenhão. Todos estes fatos são claramente adversários de tudo o que a nossa torcida almeja e merece.
O Fla-Flu terminou sem gols. Paramos os campeões da Guanabara. Contudo, o que deveria ser recuperação se transformou numa derrota fragorosa: o dia em que o Fluminense foi goleado por cartolagens. Não tenho como falar de grandes lances, jogadas apoteóticas, o pulsar interminável das torcidas. Empatamos, mas fomos derrotados por nós mesmos, pelos nossos. À nossa frente, o caminho de sempre, um interminável desafio. Debaixo de uma crise criada por nossa própria cúpula, sem o treinador, partimos para mais uma daquelas façanhas que só os Tricolores – sem unanimidade – são capazes de acreditar. O que nos leva à frente não é o presente, mas o passado dessa majestosa camisa que, quanto mais agredida e vilipendiada é, mais força mostra diante das intempéries. Eu já vivi isso muitas vezes: o Tricolor não é um alienado que vive num mundo onde tudo é vitória e conquista. Mas temos um vasto repertório de quebrar o braço do suposto impossível. O Fluminense é muito maior do que interesses monetários, desmandos e picuinhas. Nossa camisa há de louvar isso.
Paulo-Roberto Andel
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