Friday, April 27, 2007

Suspense

O encanto do futebol vem da sua pluralidade, das inúmeras possibilidades que uma peleja permite, interpretações, panoramas. O futebol é um verdadeiro caleidoscópio – cada ângulo traz à mente uma diferente imagem. E é disso que nasce a paixão pelo esporte maior.

Assim foi o jogo de hoje, a grande final da Taça do Rio. O teoricamente favorito Botafogo contra o muito bem armado Cabofriense.

O placar não traduziu a dinâmica do jogo e, em alguns momentos, ele ficou completamente avesso ao que acontecia: quando o Botafogo era muito melhor, os de Cabo Frio igualaram o marcador. No fim do jogo, quando tudo indicava a vitória das três cores, o Alvinegro chegou ao empate. Partindo desse princípio, houve alternância, equilíbrio; contudo, ao verificar a quantidade de jogadas perigosas de ataque, o Botafogo foi avassalador. Somente no primeiro tempo, foram mais de vinte ataques e cinco chances reais de gol, com apenas um aproveitamento. E que aproveitamento! Dez minutos aproximadamente, uma cobrança de falta ensaiada, executada por Lúcio Flávio, chegou a Dodô. Ele raspou na bola, que tocou no travessão. Na sobra, prevaleceu o talento: ajeitou o corpo e desferiu belíssima bicicleta, abrindo o placar.

Os vinte e cinco minutos seguintes foram um verdadeiro show botafoguense, com ataques empolgantes e uma atuação espetacular do jovem goleiro Gatti, que provavelmente trocará de clube em breve, dado o enorme destaque de suas partidas no certame. Quem visse a primeira meia hora da partida seria capaz de apontar o Botafogo campeão da taça e do ano, sem piedade. Mas o futebol tem seus ares de caleidoscópio. Uma falta cobrada no travessão e a bola sobrou livre para a Cabofriense empatar a partida, num momento em que o Botafogo era senhor absoluto das ações em campo. Quem foi o artilheiro? Marcão, ídolo de Laranjeiras e que marcou boa parte de seus poucos gols na carreira contra o Alvinegro. E era uma decisão. Marcão fez gols nas partidas de conquistas do Tricolor em 2002 e 2005. Ratificou a característica de goleador em decisões.

Os minutos finais de jogo mostraram um Botafogo sentindo o golpe, mas sem desespero. E, claro, um Cabofriense mais confiante, que entrara em campo como coadjuvante do espetáculo e tinha revertido o quadro: o Botafogo vinha de um primeiro tempo excelente, afora a grande atuação do meio de semana, quando conquistou a vaga contra o Vasco. Terminou o primeiro tempo.

Retomada a partida, o Botafogo disse a que veio, com uma bola na trave logo de começo, sete minutos. Parecia que o time tinha absorvido bem o golpe do primeiro tempo.

Entretanto, como todos sabemos, há coisas que só acontecem ao Botafogo.
No minuto seguinte, uma falha de marcação na defesa botafoguense, com a linha de impedimento – para alguns, a linha "burra" – equivocada, permitiu que o ex-alvinegro Marcelinho entrasse sozinho pela direita, driblasse Júlio César e tocasse para o gol vazio. Pânico na parte cheia das arquibancadas do Maracanã. Sabia-se que a derrota no primeiro jogo aportaria enorme tensão para a partida final, a ser realizada no domingo que vem.

E o jogo mudou novamente.

O Botafogo não era mais o time bem-articulado da primeira etapa. Mas tinha a força, a vontade. E partiu para cima dos de Cabo Frio. As jogadas já não saíam com a mesma precisão, devido a erros e, claro, o nervosismo que toda equipe considerada de grande porte tem, quando encontra-se em desvantagem perante um adversário mais modesto.

No meio do segundo tempo, veio uma nova bola na trave, no travessão, cabeceada pelo zagueiro Juninho. Murmúrios das arquibancadas revelavam exasperação. E o Cabofriense defendia-se como era possível, utilizando bem os contra-ataques, embora sem ameaçar significativamente a meta de Júlio César.

A dez minutos do fim, um certo alívio inundou o Maracanã, quando Jorge Henrique cruzou da direita e ele, sempre ele, Lúcio Flávio, entrou pela diagonal da esquerda e cabeceou no contrapé de Gatti, dando números finais ao jogo.

Não foi um resultado que possa ser considerado bom para o Botafogo. Dadas as circunstâncias finais da partida, até foi; contudo, pela quantidade de gols perdidos e pelo enorme volume de jogo na primeira etapa, houve um sabor amargo de derrota. Matematicamente, a visão é outra: o empate salvou o Botafogo da enorme dificuldade que teria se, hipoteticamente, fosse enfrentar um time com a vantagem do empate.

A decisão mesmo, a primeira, é no domingo. O Botafogo luta. Até lá, ficamos sob suspense.
Enquanto isso, os outros descansam, pensam no futuro, na Copa do Brasil, no Brasileiro.

E o Flamengo espera, espera.

Paulo Roberto Andel, 16/04/2007

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