Monday, April 02, 2007

Retrato em branco e preto

Depois de dois meses, finalmente o Maracanã teve o público que merecia para o jogo entre Vasco e Botafogo. Mais meses, talvez. Um clássico, com gritos de torcida, confrontos e a saudável tonalidade de perto e branco que cobre o estádio quando os dois times se enfrentam, uma ligeira impressão de que as coisas voltam aos anos sessenta, quando parecia que tudo daria certo no país do futuro denominado Brasil.

Mais do que a disputa pelo acesso às semifinais da Taça do Rio, que já parecia quase assegurado para ambas as equipes, houve o principal motivo para a lotação do Maracanã: o milésimo gol de Romário. O astro, a atração máxima. Não faltavam motivos: o Baixinho foi o principal algoz botafoguense dos últimos vinte anos, marcando mais de trinta tentos, e brilhou na maior goleada que o Alvinegro tomou em toda a história do Maracanã. Romário está no canto do cisne de sua carreira, impulsionado pela marca história – aos 41 anos, mostra que ainda pode e sabe fazer os gols. Em suma, as estatísticas indicavam que lugar dos vascaínos era ontem, na arquibancada da direita. E eu creio que foi justamente o milésimo gol que decidiu a partida, embora não tenha sido marcado.

Tenho minhas razões.

Primeiramente, embora o Vasco seja um gigante do futebol, um colosso mundial, sua direção tem resistências em jogar no Maracanã porque, como dizem, “o Vasco tem estádio”. E tem mesmo. São Januário, berço de beleza e pioneiro na democracia do futebol brasileiro. Porém, São Januário é de 1927, quando o time vascaíno não tinha cinco anos de primeira divisão. A partir de 1950, como seria para todos os outros gigantes, era natural que o Vasco fizesse do Maracanã o seu palácio – e assim o fez, por quase quarenta anos. Das equipes de imensa torcida do Rio, o Vasco é o único que não faz do Mário Filho a sua prioridade, e nele joga menos do que deveria. Resultado é que ontem, com todo o respeito que o clássico mais do que merece, Maracanã tomou ares de final da Copa do Mundo, dada a possível marca de Romário. Pela atuação cruzmaltina, há uma impressão de que o time sentiu o peso do gol mil, o estádio abarrotado, a pressão – coisas que, se estivesse com justiça mais vezes no Maracanã, provavelmente os jogadores não sentiriam. Pode ter sido um mísero detalhe, mas as grandes vitórias no futebol são conquistadas em detalhes, às vezes. O Vasco merece mais o Maracanã e vice-versa. Quando o Maracanã foi erguido, o grande time do país era justamente o Vasco – e dele, Vasco, generosas sementes floresceram nos anos cinquenta para que o Brasil iniciasse a trajetória para o tope do mundo futebolístico.

Outra questão. É claro que a imprensa incendiou General Severiano, ao presumir que Romário faria o gol de qualquer forma contra o Botafogo. Treinados por Cuca, grande jogador que por muito tempo aliou técnica e raça, os alvinegros alimentaram-se da mídia para dar o máximo de si no campo. E foi o que aconteceu. O Botafogo entrou em campo como um leão ferido, ávido de vingança e rei das selvas. E foi senhor absoluto do jogo, imponente, como não se via há muito tempo, mesmo quando vencia o Vasco. A última vez que me lembro de tamanha autoridade dos botafoguenses foi nos tempos do time de Túlio, mais de dez anos.

Clássico não se vence de véspera, e os vascaínos já deveriam saber disso.

Com quinze minutos de partida, o Botafogo vencia com o gol do excelente Lúcio Flávio, um chute forte, de fora da área, que tocou a trave esquerda de Cássio antes de beijar a rede, mas no lado oposto. E estes quinze minutos foram fulminantes, com cinco chances reais de gol e um Vasco recuado em seu próprio campo. Como reza a tradição, após a desvantagem, os vascaínos arriscaram-se mais no ataque, embora sem nenhuma ameaça causada ao jovem e bom goleiro Júlio César. Romário teve apenas duas aparições na primeira etapa; na primeira, pôs a mão na bola e foi advertido com cartão. Na segunda, encobriu o goleiro botafoguense, que defendeu bem. O primeiro tempo encerrou botafoguense.

A segunda etapa foi aberta por chance clara de Jorge Henrique, para brilhante defesa de Cássio – seria a primeira de muitas. O goleiro vascaíno fez uma série de grandes intervenções e impediu o que seria uma justa e implacável goleada de General Severiano. Em contrapartida, o Vasco melhorou no segundo tempo e passou a atacar mais. Iniciou tudo com uma finalização de Romário, sempre ele, mas a bola tocou o lado direito de fora da rede.

Perto dos vinte minutos, o Maracanã foi tomado por um clamor extraordinário, quando Romário novamente tentou encobrir Júlio César, mas a bola foi para fora, por cima do travessão. Segundos extraordinários e, apesar do maior volume alvinegro, parecia que a tradicional “freguesia” entraria em ação a favor do Vasco. Ledo engano. Em seguida, Dudar foi expulso e isso atrapalhou a reação dos vascaínos.

O Botafogo foi perdendo uma seqüência de gols, todos com grandes defesas de Cássio, o melhor em campo. A cinco minutos do fim, Joílson foi expulso, o que poderia significar o último fôlego vascaíno, mas não aconteceu – houve apenas uma finalização, claro, de Romário.

Ao apagar das luzes, um contra-ataque botafoguense deixou o time à frente do gol vazio, dado que Cássio saiu da meta para impedir o tento. Uma ótima tabela entre Jorge Henrique, Zé Roberto e Juca fez com que a bola chegasse aos pés do volante Túlio, que fuzilou sem piedade para o gol escancarado, e o Alvinegro assegurava a vitória.

Foi um dia em que o Vasco foi pouco Vasco, mas o Botafogo foi extremamente botafoguense. Uma atuação de muita garra, velocidade, técnica e conjunto, irresistível. Qualquer resultado que não apontasse o Botafogo vencedor ontem estaria sob a égide da injustiça.

O campeonato segue. O Botafogo é o favorito para vencer a Taça do Rio, pelo que está apresentando. O Vasco também tem suas chances. O Flamengo fica na espreita, enquanto o Tricolor amarga mais uma despedida precoce, após novo desastre contra o limitado Americano.

O gol mil fica adiado. Talvez não tenha as luzes do Maracanã, talvez aconteça em São Januário, na quarta, contra o Gama, pela Copa do Brasil. Talvez não seja nada disso. Ele acontecerá, em breve. Ao certo, ninguém sabe ainda. Esperemos.

Por enquanto, de certo mesmo, apenas o brilho do Botafogo no sensacional jogo de ontem. A estrela solitária falou mais alto.


Paulo Roberto Andel, 02/04/2007


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