Friday, March 30, 2007

A chama infinita

O futebol não tem magia e fascínio à toa. Quando menos se espera, surgem guinadas para cima ou para baixo; o favorito pode ser desbancado pelo azarão que corre por fora da raia.

Terminada a rodada de domingo passado, todos imaginariam que o meio de semana teria destaque absoluto pela iminência do milésimo gol de Romário. Viria a partida contra o Americano e o mundo congelaria vistas para enaltecer um dos maiores jogadores da história. Acontece, porém, que o futebol tem sempre uma vertente, uma saída.

Esqueceram-se do Fla-Flu. Deixaram o Fla-Flu à míngua. Compreendo que parte disso adveio da má campanha dos flamengos na Taça do Rio, em contrapartida à trilha da Libertadores, somada ao péssimo trajeto Tricolor em 2007. Como agravante, um clássico no meio de semana, quando o esperado é sempre na tarde dominical.

Domingo encerrado, mantido o jogo do Vasco no estádio de São Januário, Romário não atuou e o gol mil foi adiado. Aos vascaínos, coube um insosso empate sem gols e maiores emoções contra o time do falecido Caixa.

Quinta em riste, os irmãos Karamazov do futebol brasileiro encontraram-se mais uma vez. Tem sido assim desde antes do Big Bang, será depois do fim do mundo. Nelson foi perfeito: o Fla-Flu é eterno, o Fla-Flu não vai morrer jamais.

Não gosto de ver este clássico com vazios nas arquibancadas. Nenhum clássico, aliás. Difícil acostumar com isso. Mesmo assim, bandeiras dos dois lados tremulavam firmes, crentes numa vitória salvadora: tanto um lado como o outro precisava dos três pontos como fosse um balão de oxigênio para a sobrevivência.

O jogo começou com toda a força do Flamengo, dominando as ações, embora a partida estivesse muito mais para a correria do que propriamente a qualidade técnica. O Tricolor levou quinze minutos para ameaçar a meta de Bruno, através de uma cobrança de falta do lateral Carlinhos. Pouco, em se tratando de enfrentar a Gávea.

A supremacia flamenga foi registrada na meia hora de jogo. Aconteceu um bom cruzamento de Roni, raro, e Souza fez seu primeiro gol vermelho e preto utilizando-se dos pés – até ali, somente gols com cabeçadas. Ainda houve tempo para uma chance de gol desperdiçada quase aos quarenta, pelo jovem capixaba Cícero, e o Fluminense parou nisso. O jogo foi movimentado, mas carente de sofisticação técnica.

Veio o intervalo.

Mal começou o match, o Tricolor chegou ao empate. Carlinhos cruzou bem e Cícero chegou complementando dentro da área, sem chances para Bruno. Dali em diante, foi possível ver uma melhora no padrão das equipes, com menos erros de passes, alguns dribles e ainda muita velocidade.

Apesar do empate de Laranjeiras, a Gávea manteve a supremacia no ataque, perdendo vários gols. Dois foram gritantes. O primeiro, com a cabeçada de Ronaldo Angelim e a bola no travessão, após escanteio pela esquerda do ataque – gol que, se acontecesse, aumentaria o rol de falhas do goleiro Fernando, que ficou apenas olhando a jogada. Segundo, chute de Renato Augusto que bateu na trave direita – no rebote, aí sim Fernando fez bela defesa.

Então, havia o clima de que o empate seria uma realidade, e os irmãos Karamazov morreriam juntos, abraçados. A poucos minutos do fim, uma inacreditável furada do zagueiro Irineu deixou o veterano Alex Dias de frente para o crime; entretanto, após invadir a área, chutou para fora.

Poderia ter sido o fim.

Mas um Tricolor sabe que os jogos contra o Flamengo não acabam nem com o apito do juiz. Empatar ali seria o adeus. Alguns devem ter lembrado de Renato, de Assis, das coisas do último minuto do jogo.

Na última jogada da partida, Alex recebeu um passe pela direita da área flamenga. Cruzou esplendidamente, de primeira. A bola chegou na direita da pequena área, onde Cícero arrematou de bate-pronto. Bruno ainda foi na bola, mas foi inevitável. Um golaço Tricolor, com a sina do último minuto, do apagar das luzes. Cícero refez Assis, Renato, os gigantes da última volta do ponteiro.

Tecnicamente, o jogo esteve longe da sua tradição. Entretanto, jamais se pode desprezar um Fla-Flu: mesmo que não valha nada em termos de classificação, sempre nele terá a história de um Brasil em campo. O Fla-Flu é chama infinita.

O Flamengo aguarda seu adversário da grande final. O Fluminense sobreviveu, sem ajuda de aparelhos, respira bem e, se a sorte lhe bafejar, pode arrancar para a Taça do Rio.
Não há outra chance. É agora ou nunca.
Romário fica para depois.

Paulo Roberto Andel, 30/03/2007

No comments: