Thursday, February 01, 2007

Polêmica

Na garbosa cidade de Cabo Frio, gigante pela própria e bela natureza, houve o match entre Botafogo, alvinegro, e Cabofriense, com suas três cores de divina inspiração.

Não foi um grande jogo pelo conjunto da obra, principalmente durante o primeiro tempo. Na meia hora inicial de partida, o Alvinegro tinha a posse de bola e deslizava com certa desenvoltura até a intermediária adversária, quando então aconteciam os desarmes e uma ou outra falta. Perderam dois gols, um com Zé Roberto livre, com a defesa do veterano goleiro Flávio, por volta dos dez minutos; outro, em falta cobrada por Juninho que chegou a resvalar o poste, cerca de vinte minutos. Em seguida, o time oceânico das três cores perdeu também um gol, chutado por Marcelinho, por cima da trave de Max.

Enquanto o jogo seguia pachorrento na primeira etapa, distraí-me com alguns pensamentos.

Um deles foi o de que a partida, embora morna, era decisiva, como todas são neste modelo de torneio atual na Guanabara. Poucos jogos, não se pode falhar e um mata-mata emocionante ao final, talvez. Noutros tempos, a competição tinha mais jogos e também tinha sua forte emoção, até que Caixa assumiu o trono do futebol e pôs tudo a perder – contamos nos dedos os certames empolgantes durante sua desastrada gestão. De toda forma, acho que cinco jogos constituem pouquíssimo arsenal para se considerar um exército campeão. Dizem que os times menores não empolgam o público. E os caros ingressos? Segurança? Falta de estrutura nos estádios? Há outras razões. A publicidade e o marketing já são base suficiente e principal da manutenção dos times de futebol, de modo que o ingresso é parte menor, e deveria ser barato, para trazer a alegria do torcedor de volta. Os abonados refestelam-se em seus pacotes televisivos, alheios ao Maracanã, a Bariri, São Januário e todas as praças.

Em determinado momento, reparei no uniforme botafoguense. Os detalhes amarelados do uniforme causam-me estranheza. Mais ainda é a centenária camisa listrada com mangas e ombros em branco, parecendo ser um remendo indigno à estrela solitária. O marketing dos uniformes, a meu ver, deveria ser explorado de outra forma que não a de modificar ao léu as camisas das equipes a cada seis meses ou um ano, tudo pensado por gente que não é do futebol. Resulta em uniformes esquisitos, que malversam a história. Terminando, onde está a inesquecível meia cinza dos botafoguenses? Deveria retornar imediatamente a compor o traje de campo. Sem ela, o Botafogo é menos botafoguense do que deveria.

Volto ao jogo. Estranho ver Marcão, o herói tricolor de dois títulos e quatrocentos jogos com outra camisa. Ironicamente, branca, com detalhes em vermelho e verde. As raízes ficam. Falei já do goleiro Flávio, com boas defesas. Um veterano dos campeonatos do Rio. No banco de Cabo Frio, o velho e bom Jair Pereira, dos melhores treinadores do Brasil, e que estranhamente há muito tempo não está à frente de uma grande agremiação. Talvez Jair não tenho o atual empresariado a seu favor, feito muitos outros profissionais com seus ternos e linguajar falsamente refinado. É dos bons, creio. Merece mais.

A partida terminou no primeiro tempo com uma grande defesa de Max, bela plástica da imagem. Onde estavam Luís Mário e Dodô, jogadores que poderiam certamente levar o time à frente. Recolhidos. Luís é bom jogador, Dodô é ótimo. Não apareceram.

Veio a segunda etapa. Luís saiu; entrou o excelente, mas ainda fora da melhor forma, Lúcio Flávio. Um novo Botafogo ressurgiu, mais aguerrido, mais firme, buscando o tento, incomodando permanentemente o time das três cores.

Quando um jogador tem a categoria e o faro de gol, basta um único momento para que ele mostre seu futebol. Foi assim, mais uma vez, com Dodô. Até pouco mais de vinte minutos do segundo tempo, era virgem de finalizações. Não tinha ameaçado a meta de Flávio em nenhum instante. Quando o fez pela primeira e única vez no jogo, fuzilou o canto direito do goleiro e abriu o placar. Primeiro chute, um gol. Impactante.

Passados dois terços do jogo e com a vantagem no marcador, os alvinegros propuseram-se ao toque de bola no campo adversário, o que certamente facilita a marcação e espanta o perigo nos contra-ataques. Encaminhamento tranqüilo, tudo correndo para uma vitória botafoguense. Veio então uma jogada polêmica. Aconteceu uma cobrança de falta na área alvinegra, o zagueiro Cléberson subiu para uma dividida com o goleiro Max – e este soltou a bola nos pés do atacante Roberto, que concluiu perante o gol vazio. Houve uma enorme exasperação alvinegra com o empate e, para piorar, o auxiliar, outrora denominado bandeirinha, que havia confirmado a legalidade do tento, voltou atrás. Então, quem mergulhou no mar da raiva intensa foi o time dos lagos, com razão perante a opinião esportiva. Gol anulado, o nervosismo natural dos cabofrienses à flor da pele fez com que perdessem ainda um jogador: Cléberson, o mesmo que participara do empate anulado, agiu mal contra o volante Juca.

A partida terminou sob a égide da estrela de Dodô, mais solitária do que a própria alvinegra. Primeiro chute, primeiro gol.

Populares contaram-me que, no intervalo da transmissão televisiva, houve um flashback da polêmica decisão entre Fluminense e Botafogo, no campeonato de 1971. Marco Antônio empurrou ou teria empurrado o goleiro Ubirajara, antes do gol de Lula, e o Tricolor foi campeão. Ironia do velho destino: meia hora depois, não num título, mas num momento semelhante, o Alvinegro acabou sendo beneficiado pela mesma maneira que a televisão havia acabado de expurgar.
É o futebol, com suas dúvidas e certezas, contradições e direções.
Provar do próprio veneno, ou transformá-lo em licor.


Paulo Roberto Andel, 01/02/2007

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