Thursday, September 30, 2010

FLUMINENSE 1 X 0 AVAÍ (29/09/2010)



Nove degraus à frente (30/09/2010)

Depois de trinta e dois anos freqüentando nossas arquibancadas, talvez eu pudesse ser até enfadonho ao falar de grandes emoções a respeito de uma partida que não significou ainda a conquista de uma taça. Posso me desmentir. Não é verdade. Há partidas em que um lance, um drible ou uma defesa passam a ser momentos inesquecíveis para crianças, jovens, adultos ou veteranos. Ontem, exatamente ontem, experimentei um momento ímpar de minha vida de torcedor ao testemunhar a colossal vitória do Fluminense sobre o Avaí, no Estádio da Cidadania em Volta Redonda, meio do caminho entre Rio e São Paulo. Ontem, vivi um daqueles jogos em que não se pode faltar – e saboreei os favos do triunfo. O Fluminense venceu, o Fluminense está vivo e, hoje, é o mais expressivo dos candidatos ao título brasileiro de 2010. E, se confirmarmos o tão sonhado título, podem crer: ele terá o cheiro da partida contra o time catarinense.

Aqueles que conhecem o futebol profundamente poderiam me perguntar “como você pode dizer isso de um time que teve dificuldades e penou para vencer outro às vésperas do rebaixamento?”. Meus amigos, quem disse que um grande campeão joga bem todos os jogos de um certame? Quem disse que ser campeão é apenas dar shows de bola, aplicando incontáveis surras nos oponentes? Eu relembro: escrevi noutro dia que, se o segundo tempo do Fla-Flu fosse revivido a cada jogo, seríamos carne-de-pescoço para qualquer adversário. Foi o que aconteceu: de lá para cá, o Fluminense retomou a ponta e ganhou três jogos. Ontem, num dado momento, parecia que tudo seria perdido: o time não conseguia agredir, sofria perigosos contra-ataques, não era fácil vazar a zaga do Avaí. Num rompante, tal como um sujeito irritado e esbaforido que, ao se sentar à mesa, nela aplica um contundente soco, o Fluminense se encheu de brios e conseguiu uma de suas vitórias mais emocionantes nos últimos tempos. O futebol que pareceu escasso foi cristalizado e se fez minério de garra, de luta e dedicação, de modo que o gol salvador de Darío Conca a poucos minutos do fim do jogo não me parece um golpe de sorte. Na verdade, é um aviso. O Fluminense veio para ficar. O Fluminense jogou com a postura que só os campeões têm.

Minha partida começou horas antes em Copacabana, meu reduto da infância e adolescência. A rua Anita Garibaldi, a Galeria Menescal. O nosso carro de excursão – eu e os amigos, ignorando o tráfego intenso e os cento e cinqüenta quilômetros. Um Tricolor pode se esbaldar em casa nos jogos comuns, mas, numa batalha como a de ontem, era preciso ocupar cada centímetro de Volta Redonda – não somente o estádio, mas as ruas, o centro e a cidade inteira. Foi que os nossos fizeram: lotaram as arquibancadas a ponto de fazerem rir qualquer pessoa que tenha lido os numerários do jogo no placar eletrônico. Enfim, sair de Copacabana para ver um jogo foi um dos melhores presságios da juventude – foi o que fiz muitas vezes quando ia ao Maracanã me encontrar com os passes de Delei e a vibração de Benedito de Assis.

Chegamos em cima da hora ao campo lotado. O Cidadania, ou Raulino de Oliveira, tem um quê de São Januário – sem as maravilhosas iguarias para temperar um bom jogo de futebol. E foi um jogo difícil para nós. Definitivamente, o Fluminense não esteve bem em termos de técnica: os passes eram neutralizados, Conca estava estranhamente isolado como um ponta-direita, Deco perdia as divididas, Bob parecia atônico e Washington era por demais Washington. Euzébio se confundia em tempos de bola. Rafael fez boas defesas – reitere-se: com a mão; numa delas, nos salvou em chute baixo. Atacamos pouco e quase não fomos ameaçadores, exceto numa cabeçada de Gum. Eu olhava para o lado e não via o Presidente, nem a Matriarca. Olhava para o campo e procurava por Fred, Diguinho, Emerson, Carlinhos. Nenhuma visada. Não posso esquecer, contudo, da aplicação infinita de Diogo e Mariano, jovens leões das Laranjeiras. Um zero a zero e o intervalo com a impressão que precisaríamos de muito mais em campo para o triunfo. Nas arquibancadas, estava tudo resolvido: a beleza da nossa torcida é unanimidade sem qualquer sinal de burrice.

Resolvemos mudar de lugar: deixamos a arquibancada atrás do gol defendido por Rafael e fomos para o escanteio da nossa direita de ataque, esperando grandes jogadas e a salvação. Mal sentamos, houve a notícia do gol corinthiano e os sussurros indigestos. Ficou claro que o velho lema do Presidente Horta estaria em campo: vencer ou vencer.

Voltamos ao jogo com todos os reveses já relatados, além do exótico árbitro Luis Flavio, permitindo toda a “cera” do mundo aos catarinenses, satisfeitos com o empate. Seria a nossa degola. Lembro que a massa explodiu quando se anunciou El Loco havia empatado o jogo do Pacaembu, deixando o bando de loucos em silêncio sepulcral. Já em Volta Redonda, havia vida, muita vida. O Fluminense não conseguia fazer as jogadas, não conseguia chutar, não conseguia inverter o jogo, mas aquele gol lhe deu a força de um Popeye faminto diante de uma lata de espinafre. E o Tricolor voltou, sem talento de sobra, mas com muita raça. Valencia, que substituíra Bob, não deixava pedra sobre pedra. Marquinho, também em campo no lugar do craque Deco, estava predestinado e nem sabia. Conca tentava, tentava e passava (mesmo sem o melhor de sua forma esplêndida), mas Washington insistia numa inexplicável auto-marcação: desarmava a si mesmo. Em algum lugar que não sei dizer ao certo, estava escrito: todo aquele sofrimento seria recompensado. O imponderável.

O tempo corria e parecia que iríamos amargar um mau resultado na partida. Ledo engano que um Tricolor às vezes comete. Nós somos o time das goleadas por um a zero. Nós somos o time do último minuto. Ninguém nos vence por decreto ou falácia pré-datada. Assim tem sido há cento e oito anos. Enquanto isso, Euzébio perdia dois gols de cabeça. O Fluminense virou um aríete de garra, disposto a derrubar qualquer muro de pedra. Mariano, o Incansável, quase fez um lindo gol após a deixa de Conca: a bola passou a milímetros da trave direita.

Marquinho ajeitou a bola num escanteio maroto que ele mesmo cavou. Leo, sempre bem-humorado, fez gracejo: quis saber quando ele acertaria um bom cruzamento para a área. Sem pestanejar, mas sem total confiança, afirmei que desta vez ele iria cruzar certo. Era só uma piada, talvez pelo nervosismo: era o fim do jogo. A natureza fingiu que era apenas uma cobrança comum, na primeira trave, mas não era; a bola chegou na cabeça de Gum, que tocou forte e parecia que a bola não tinha direção, mas tinha. Conca fingiu que não tinha jogado uma partida brilhante, mas guardou a jogada de mestre para aquele momento. A bola procurou o craque. O argentino, livre na pequena área, ainda ajeitou e fuzilou o goleiro Zé Carlos, que ainda roçou a canela no verdadeiro foguete, mas nada pôde fazer: ela ganhou o alto da rede e Volta Redonda explodiu como nunca. Um grito dos milhares de torcedores do Fluminense que mais parecia um tiro de canhão, uma vibração de quem tem o grito de campeão prestes a explodir. A partir de então, a “cera” do Avaí se converteu em impressionante velocidade, mas inócua. O candidato ao título estava em campo e neutralizou todas as ameaças.

O fim do jogo nos reservou um maravilhoso item: o encontro de time e torcida, numa comemoração que servia de grande abraço. Muricy gritava como nunca: sabia a importância da vitória ali conquistada. Vivi um grande e inesquecível momento, que pode não se confirmar no futuro, mas especial para todos nós que amamos estas três cores: vi de perto a obsessão Tricolor pelo título brasileiro, tatuada nos rostos dos guerreiros, do mesmo jeito que vi muitas vezes no Maracanã a semanas – ou mesmo dias – de um grande troféu feito aqueles que empilham a nossa sala nas Laranjeiras.

Repito, meus amigos, não se trata de comemorar nada antes da hora e muito menos parecer com os mais-queridos que, normalmente, vibram antes para se esconderem depois de um vice-campeonato. O que vos digo é do momento que vivemos hoje, vejam: estamos sem quatro titulares indiscutíveis, tivemos momento muito ruins debaixo de nossas traves, a entidade máxima do futebol brasileiro está comprometida com outra equipe. Nosso atual atacante luta, mas mal consegue dominar a bola. Não temos efetivo mando de campo. E ainda assim somos os primeiros do campeonato. O que se pode imaginar quando os contundidos voltarem? Melhora. Força. Qualidade. O Fluminense ainda vai melhorar e muito.

Um grande campeão se faz com passes e dribles, mas também com divididas e trancos. A técnica deve ser o Olimpo de qualquer jogo de futebol; entretanto, quando as coisas estão difíceis, é a garra que impera. Ontem, o Fluminense teve garra de sobra, em hectares. Ontem, o Fluminense não fez uma partida bonita, mas fez uma partida com a vontade de vencer. Colocou o coração na ponta das chuteiras, seguiu impávido em frente e fez a sua tarefa. Cada novo jogo é uma decisão e não se pode falhar. Temos apenas quatro pontos à frente do Cruzeiro, o favorito de Kfouri. Apenas três do Corinthians, o preferido de muitos. Talvez seja pouco hoje, mas uma coisa é certa: faltam nove jogos, nove degraus rumo à glória. Se mantivermos a liderança na trigésima-quinta rodada, não terei mais dúvidas em afirmar que o Fluminense será, naquele momento, o campeão brasileiro deste ano. Um título há muito sonhado, há muito merecido e que bateu na trave várias vezes, como nos anos de 1995, 2000, 2001, 2005 e 2007.

Quem espera, sempre alcança.

A noite de ontem ainda não acabou. A imagem da vibração de Muricy com a torcida após o jogo não acabará nunca mais. Vencemos com um futebol humilde numa partida muito complicada. E, como nunca, jogamos como campeões. Atitude de campeões.

O tempo dirá.

A noite de ontem ainda não acabou.


Paulo-Roberto Andel

2 comments:

avmss said...

Você deixou de citar 1991 e 2002, pelo menos os dessas duas últimas décadas.

ST

Paulo-Roberto Andel said...

Há motivos para tal.

Em 1991, embora tenhamos dado uma linda arrancada na fase final do campeonato, vencendo cinco jogos seguidos para a classificação às semifinais, nosso time era mais esforçado do que técnico. A eliminação em casa para o Bragantino mostrou isso. E mesmo que passássemos, ainda teria o poderosíssimo São Paulo pela frente. Eu não contava com esse título.

A mesma coisa em 2002. Saímos no lucro. Vencemos apertado o Corinthians aqui, perdemos lá. Caso passássemos, viria o Santos de Robinho e Diego com tudo. Eles atropelaram o Corinthians na final. Se fosse conosco, até hoje a imprensa faria galhofa.

Por essas razões, não mencionei estas duas temporadas.

ST