Amigos, como disse Nelson, nosso pai eterno das letras do futebol, o Tricolor nasceu quarenta minutos antes do nada. E ali, a minutos do fim do nada, coube ao Tricolor arquitetar uma de suas missões: dar camisa aos quatro fantásticos para que, no goal, esculpissem cada um a seu jeito a história do futebol brasileiro na meta. Eu estou aqui para falar destes quatro fantásticos e mais um quinto.
O brasileiro passou a entender o significado da palavra goalkeeper quando Marcos Carneiro de Mendonça, todo de branco e com vistosa fita roxa na cintura, desesperando os adversários e fazendo palpitar os corações femininos. Marcos foi o nosso primeiro herói, com suas defesas elegantes, de pouca movimentação e extraordinário senso de colocação. Marcos, o tricampeão de 17 a 19. Quando a seleção brasileira ganhou o primeiro título de sua história, era Marcos o seu goleiro, fantástico goleiro, o pioneiro – e em muito deve ter inspirado o acidentalmente rubro-negro Pixinguinha em sua clássica “1 x 0”. Depois de imensa e definitiva carreira de louros nos gramados, ainda foi nosso campeão como presidente do club.
Nos tempos de nosso primeiro fantástico como presidente, veio Batatais, batizado Algisto Lorenzato. Cinco vezes campeão em seis anos. Dez anos de titularidade. A Copa do Mundo era francesa, parisiense, e nós, devotos do Tricolor, emprestamos classe e categoria ao goal da Seleção Brasileira novamente. Era Batatais, o próprio, e mais um pouquinho de Marcos Carneiro de Mendonça, como se a camisa número 1 do time nacional fosse nossa como que por decreto e fé, uma fé inabalável de que o goal poderia até ser por nós sofrido, mas que seria sempre muito difícil. E assim foi. Sempre.
Marcos partiu, Batatais também. O conjunto de traves manteve-se seguro, perene. Era Castilho. Carlos José Castilho. Goleiro de quatro Copas, duas vencidas, gigantescas, também campeão do mundo pelo Fluminense. Dezenove anos vestindo o manto sagrado que herdou dos antepassados, talvez nos anos 40, provavelmente na preleção feita previamente aos quarenta minutos antes do nada que geraram o Fluminense. Castilho, nossa sorte, a “Leiteria” dos adversários, o nosso santo da baliza. Castilho, que deu seu dedo pelo Tricolor. Era nosso craque da meta, que a tudo via de diferente por conta de seu daltonismo – e que, por isso mesmo, tinha uma visão privilegiada, peculiar, especial, em seu mundo de cores que confundiam um vermelho e um verde que, adicionados ao branco, só poderiam resultar no Tricolor. Não bastassem tantas qualidades, Castilho ainda foi o maior guardião de nossa camisa: ninguém a vestiu em campo mais vezes do que ele.
Quando Castilho foi embora, para quem deveria ser passado o bastão, o cajado que abençoa todo goleiro das Laranjeiras? Veio Félix. Félix Mielli Venerando. Mais cinco títulos em sete anos no Rio, mais um campeão brasileiro em vert, blanc & rouge. Mais uma vez, o Brasil ganhava o mundo com um goleiro do Tricolor em seu elenco. Chegou sob desconfianças, ganhou fãs e cansou de dar voltas olímpicas no Maracanã. Ao sair, parecia ter deixado seu trono vago, o mesmo trono que um dia foi de Marcos Carneiro de Mendonça, Batatais, Castilho e dele, Félix.
Nada disso. Não havia um quinto? Sim.
Era Paulo Victor Barbosa de Carvalho. Veio do Espírito Santo e isso poderia ser claramente um sinal de amém. São Paulo Victor, das defesas quase impossíveis e que sofria apenas os goals impossíveis de serem defendidos. Foi Paulo quem viu lá de longe, do outro lado do campo, a serenidade de Assis ao bater Raul no último minuto, como se fosse nosso Telê, nosso fio de esperança, ao buscar um campeonato até ali improvável. E foi Paulo que novamente viu Assis de novo, no mesmo outro lado, cabeceando enquanto Fillol procurava uma inútil paisagem. Persistente que é, Paulo ainda teve tempo de se ajoelhar e vibrar em campo quando Paulinho deu números finais ao tricampeonato de 1985. Pouco antes, Paulo teve o Brasil a seus pés, era 1984, como campeão de céu e mar. Foi a uma nova Copa da França e repetiu seu antepassado Batatais; não venceu, mas nem precisava. Era nosso último grande herói.
Nosso goal continua impávido, sereno, bem defendido. Se falta-nos um Marcos, um Batatais, um Castilho, um Félix ou um Paulo Victor, é questão apenas de corpo. Na alma, estão todos ali por trás da meta, soprando bolas inacreditavelmente para que deixem de ser goals certos. Ou ainda mexendo invisivelmente as traves para que as bolas chutadas ou cabeceadas não tenham a direção devida contra nós. Se Nelson vivo fosse de corpo, pois de alma sempre será, diria que a camisa do goleiro tricolor, imbatível, implacável, jogaria sozinha – e o goal, eternamente fechado estaria, de tão santificado, abençoado e protegido das intempéries quanto possível fosse.
Por Abnésio Fonseca 19/05/06
O brasileiro passou a entender o significado da palavra goalkeeper quando Marcos Carneiro de Mendonça, todo de branco e com vistosa fita roxa na cintura, desesperando os adversários e fazendo palpitar os corações femininos. Marcos foi o nosso primeiro herói, com suas defesas elegantes, de pouca movimentação e extraordinário senso de colocação. Marcos, o tricampeão de 17 a 19. Quando a seleção brasileira ganhou o primeiro título de sua história, era Marcos o seu goleiro, fantástico goleiro, o pioneiro – e em muito deve ter inspirado o acidentalmente rubro-negro Pixinguinha em sua clássica “1 x 0”. Depois de imensa e definitiva carreira de louros nos gramados, ainda foi nosso campeão como presidente do club.
Nos tempos de nosso primeiro fantástico como presidente, veio Batatais, batizado Algisto Lorenzato. Cinco vezes campeão em seis anos. Dez anos de titularidade. A Copa do Mundo era francesa, parisiense, e nós, devotos do Tricolor, emprestamos classe e categoria ao goal da Seleção Brasileira novamente. Era Batatais, o próprio, e mais um pouquinho de Marcos Carneiro de Mendonça, como se a camisa número 1 do time nacional fosse nossa como que por decreto e fé, uma fé inabalável de que o goal poderia até ser por nós sofrido, mas que seria sempre muito difícil. E assim foi. Sempre.
Marcos partiu, Batatais também. O conjunto de traves manteve-se seguro, perene. Era Castilho. Carlos José Castilho. Goleiro de quatro Copas, duas vencidas, gigantescas, também campeão do mundo pelo Fluminense. Dezenove anos vestindo o manto sagrado que herdou dos antepassados, talvez nos anos 40, provavelmente na preleção feita previamente aos quarenta minutos antes do nada que geraram o Fluminense. Castilho, nossa sorte, a “Leiteria” dos adversários, o nosso santo da baliza. Castilho, que deu seu dedo pelo Tricolor. Era nosso craque da meta, que a tudo via de diferente por conta de seu daltonismo – e que, por isso mesmo, tinha uma visão privilegiada, peculiar, especial, em seu mundo de cores que confundiam um vermelho e um verde que, adicionados ao branco, só poderiam resultar no Tricolor. Não bastassem tantas qualidades, Castilho ainda foi o maior guardião de nossa camisa: ninguém a vestiu em campo mais vezes do que ele.
Quando Castilho foi embora, para quem deveria ser passado o bastão, o cajado que abençoa todo goleiro das Laranjeiras? Veio Félix. Félix Mielli Venerando. Mais cinco títulos em sete anos no Rio, mais um campeão brasileiro em vert, blanc & rouge. Mais uma vez, o Brasil ganhava o mundo com um goleiro do Tricolor em seu elenco. Chegou sob desconfianças, ganhou fãs e cansou de dar voltas olímpicas no Maracanã. Ao sair, parecia ter deixado seu trono vago, o mesmo trono que um dia foi de Marcos Carneiro de Mendonça, Batatais, Castilho e dele, Félix.
Nada disso. Não havia um quinto? Sim.
Era Paulo Victor Barbosa de Carvalho. Veio do Espírito Santo e isso poderia ser claramente um sinal de amém. São Paulo Victor, das defesas quase impossíveis e que sofria apenas os goals impossíveis de serem defendidos. Foi Paulo quem viu lá de longe, do outro lado do campo, a serenidade de Assis ao bater Raul no último minuto, como se fosse nosso Telê, nosso fio de esperança, ao buscar um campeonato até ali improvável. E foi Paulo que novamente viu Assis de novo, no mesmo outro lado, cabeceando enquanto Fillol procurava uma inútil paisagem. Persistente que é, Paulo ainda teve tempo de se ajoelhar e vibrar em campo quando Paulinho deu números finais ao tricampeonato de 1985. Pouco antes, Paulo teve o Brasil a seus pés, era 1984, como campeão de céu e mar. Foi a uma nova Copa da França e repetiu seu antepassado Batatais; não venceu, mas nem precisava. Era nosso último grande herói.
Nosso goal continua impávido, sereno, bem defendido. Se falta-nos um Marcos, um Batatais, um Castilho, um Félix ou um Paulo Victor, é questão apenas de corpo. Na alma, estão todos ali por trás da meta, soprando bolas inacreditavelmente para que deixem de ser goals certos. Ou ainda mexendo invisivelmente as traves para que as bolas chutadas ou cabeceadas não tenham a direção devida contra nós. Se Nelson vivo fosse de corpo, pois de alma sempre será, diria que a camisa do goleiro tricolor, imbatível, implacável, jogaria sozinha – e o goal, eternamente fechado estaria, de tão santificado, abençoado e protegido das intempéries quanto possível fosse.
Por Abnésio Fonseca 19/05/06
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