Friday, April 27, 2007

Heroísmo

Senhores, creio que, com o término da partida entre Fluminense e Bahia, há instantes atrás, a torcida do Tricolor tenha experimentado uma de suas maiores alegrias neste difícil ano de 2007, menos pela habilitação técnica e mais pela garra e busca permanente de uma classificação que, para muitos, já estava perdida - a começar pelo próprio time baiano, que vibrou intensamente com o empate no Maracanã. Meninos ainda, com muito a trilhar, esqueceram-se de que era o Fluminense, o Tricolor das Laranjeiras e não um Paraopeba qualquer.

Pelo regulamento, o Fluminense superou o Bahia pelo número de gols marcados fora de casa – o jogo de ida tinha terminado com o empate em um gol cada, este fechou igualdade com dois tentos.

As coisas começaram mal. O Bahia, animado por sua fanática e numerosa torcida, que estabeleceu o recorde de presença no estádio até este momento, com quase cinqüenta mil pessoas, imprimiu forte velocidade ao jogo, centralizado no jovem e bom Danilo Rios. Seis minutos de jogo e os baianos abriram o marcador: uma bola espirrou na frente da área e Emerson Cris, um meia, pegou meio sem convicção, quase caindo. Foi o suficiente para superar o inseguro goleiro Fernando, com a bola entrando à meia altura no canto esquerdo.

Parecia que tudo então estava perdido: o Bahia com vantagem, o estádio lotado e o Tricolor, após ter demitido o treinador Joel e combalido por força de sua má campanha nestes últimos meses, parecia à míngua. Parecia, mas não era.

Aos poucos, o Fluminense começou a domar a correria baiana, embora ainda cedesse espaços. Também atacava, de modo que gols foram desperdiçados por ambos os times. Das arquibancadas, Renato, o novo patrão, dava instruções ao auxiliar Eutrópio.Deu certo.

Perto dos trinta minutos, aconteceu a jogada que mudaria todo o panorama da partida. Após centro da direita, Luiz Alberto cabeceou para o meio da área. Lá estava Cícero, livre. Acertou uma mistura de puxeta e voleio, linda, que beijou a trave direita de Paulo Musse antes de ganhar as redes. O belíssimo gol deu moral aos cariocas e estabeleceu profundo silêncio na Fonte Nova – torcedores sentira que aquele não tinha sido um gol qualquer, vulgar, mas sim uma obra capaz de despertar gigantes adormecidos. Alguns dos atletas baianos que comemoraram a classificação afoitamente, no Maracanã, olharam assustadamente. E o Tricolor estava de novo no páreo. Não fazia uma partida brilhante, pelo contrário: errava passes e chutes. Porém, a garra que parecia distante há tempos, se fez presente como nunca. O jogo terminou sua primeira fase de forma equilibrada, sem favoritos.

Quando veio o segundo tempo, o Bahia voltou a pressionar. Não merecia exatamente o gol, dado o conjunto da obra, mas ele veio e de forma estúpida: um gravíssimo erro de arbitragem permitiu que Fábio O Saci socasse a bola para o canto esquerdo de Fernando – que, se não falhou como de costume, perdeu a chance de fazer uma defesa magnífica e evitar o desastre. Saci ainda simulou o cabeceio e correu feliz para a linha de fundo, ciente do delito em campo. A arbitragem deixou seguir e os baianos ganharam vantagem.

Porém, ninguém no estádio tinha perdido de vista a beleza do gol de Cícero, jovem jogador que careceu de confiança dos ex-comandantes, que não o deixavam jogar com Soares, seu parceiro desde os tempos de Figueirense. E a sombra do Tricolor ainda encobria a Fonte Nova.

O gol de Saci não abalou o Fluminense que, ainda atabalhoado tecnicamente, começou de toda forma a aumentar a velocidade, a valorizar a posse de bole e buscar alternativas. Cinco minutos depois do soco ilegal, o empate veio de forma justa: limitado, Rafael acertou finalmente um cruzamento para o centro da área, e Soares, que tinha entrado no lugar de Rafael Moura, escorou com categoria, de chapa, no canto direito de Musse. O empate foi novamente decretado, com mais um gol bonito – e, ali, que passava a ter a vantagem do empate era Laranjeiras. Vantagem que foi muitíssimo bem costurada nos trinta minutos que ainda restaram do jogo, mesmo com a expulsão de Rafael – o Bahia, por sua vez, perdeu Rios.

Nos cinco ou seis minutos finais, em muito admirei o Fluminense pela inteligência: marcava no campo do adversário, com relativa pressão, e gastava o tempo prendendo a bola com inteligência, no fundo do campo. O Bahia sentiu o golpe e, advindo de seis gols do Vitória no domingo, pelo certame baiano, não teve forças para buscar um gol salvador.

Não se comemora resultado em futebol antes da hora.

Saci esqueceu que, do outro lado, havia uma camisa com cento e cinco anos de conquistas e acostumada a superar todo tipo de mazelas. O empate com sabor de derrota tirou-lhe a outra perna e a chance de pular para qualquer comemoração. Ao final do jogo, recebeu de volta a gozação, bem lembrada pelo zagueiro Luiz Alberto.

O Tricolor segue em frente. Recebe o Atlético do Paraná.
É um jogo esperado há dez anos pelos de Laranjeiras, como veremos a seguir.

Paulo Roberto Andel, 26/04/2007

Mãos à taça

A fantástica vitória botafoguense na tarde de ontem, dia de Tiradentes, sobre o valoroso Cabofriense, foi muito importante; afinal, o time de General Severiano garantiu vaga para a grande final do campeonato do Rio, contra o Flamengo. De quebra, ainda venceu o segundo turno. Houve uma festa muito bonita, com o colorido das arquibancadas e cadeiras contrastando-se com o preto e branco da estrela solitária. Teria algo mais importante?

Sim.
Para os que acompanharam o jogo, seja pela tevê ou in loco, desconfio que a maior lembrança atrelada à conquista da Taça do Rio seja a do maravilhoso futebol jogado pelo Botafogo, com especial ênfase no primeiro tempo.

Com vinte minutos de jogo, o Botafogo já tinha emplacado três a zero. Acidente? Acaso? Falhas de Cabo Frio? Nada disso. Apenas um futebol belíssimo. E três golaços. De certa forma, tudo o que não havia ocorrido na primeira partida da final, domingo retrasado, aconteceu ontem. E como!

O primeiro deles, onze minutos. Lúcio Flávio levantou da esquerda, invertendo. O volante Túlio acertou um petardo com categoria, de primeira, meia altura do canto direito defendido pelo excelente Gatti. Em seguida, outro golaço que poucos jogadores brasileiros sabem fazer como Dodô: deixou o gigante Marcão, o Rei Zulu, no chão, trocou de pé, ajeitou e fuzilou com a direita, ângulo esquerdo de Gatti. O golpe fatal veio aos vinte: uma jogada maravilhosa, bem ensaiada e simples, com o Botafogo indo e vindo da intermediária de Cabo Frio, virando as jogadas, aprumando, até que Joílson veio pela direita e deu um passe para Zé Roberto livre, que entrou na área e fuzilou Gatti.

Três a zero. Um colosso. Mas o jogo não terminaria assim.

Um susto para os botafoguenses, mais do que plausível, ocorreu com o gol do Cabofriense, marcado de cabeça pelo atacante William. Coisa de vinte segundos. Mesmo com o gol e a valentia do time costeiro, o Botafogo não se intimidou: manteve as rédeas da partida e fechou o primeiro tempo com mão e meia na taça. Poderia cogitar até de pôr as duas; entretanto, como sabemos, a torcida mais supersticiosa do Brasil não faria isso por temer aquelas coisas que só acontecem ao Botafogo. Todavia, o segundo tempo e a vitória final colocariam por terra qualquer temor.

O segundo tempo veio, com o Cabofriense aguerrido e veloz, mas sem a força para enfrentar o verdadeiro aríete que o Botafogo incorporou. Demolidor. Cuca, no decorrer do tempo, fez alterações convencionais, tirando paulatinamente Zé Roberto, Lúcio Flávio e Jorge Henrique, respectivamente por Juca, Diguinho e André Lima. O ritmo da equipe, embora menos acelerado do que na primeira etapa, manteve-se em ótima forma.

E, claro, como não pode deixar de ser, como em toda final, polêmicas aconteceram. Os alvinegros reclamaram com provável razão um possível gol de Zé Roberto, questionando o impedimento marcado. Os cabofrienses, ao final do jogo, assinalaram o segundo tento, através de Alexandro. Entretanto, desde que a bola tinha partido da intermediária de Cabo Frio, o auxiliar Beival já tinha erguido sua bandeira. Houve discussão e confusão. Nada que pudesse manchar o brilho alvinegro, importante registrar.

Agora, depois de tantos lances bonitos, de um belo futebol que consagrou o Botafogo e parabenizou a bravura do Cabofriense, não se pode deixar de comentar um lance engraçadíssimo e, ao que se saiba, inédito: aconteceu uma jogada de falta na intermediária de Cabo Frio, contestada pelo punido, o bom zagueiro Cléberson. Ubiraci Damásio, o árbitro, veio lentamente e com bom-humor, contemporizando. Num momento, árbitro e jogador ficaram frente a frente, proximamente. Cléberson não titubeou e beijou carinhosamente Ubiraci. Constrangido, o árbitro não teve outro caminho a não ser aplicar o cartão amarelo por conta do beijo.

Os botafoguenses estão felizes. O time está bem, arranjado e veloz. Chegou à desejada final. O adversário é o sempre temível Flamengo. Espera-se um confronto épico. Momento por momento, sabe-se que o Botafogo está melhor. Outro fator, com maior ênfase psicológica do que propriamente técnica está no fato de que, desde a inauguração do Maracanã, os dois times decidiram apenas dois títulos estaduais, em 1962 e 1989, com vitórias do Botafogo. Outros podem lembrar que, na última vezes que decidiram um título no estádio, que era o do campeonato brasileiro de 1992, deu Flamengo.

Porém, quando dois gigantes enfrentam-se numa final, nada é simples nem previsível.

Aguardemos o domingo, quando os tambores começarão a rufar.

Paulo Roberto Andel, 22/04/2007

Complicações

Caríssimos, o Maracanã ontem presenciou a dificuldade no futebol quando um momento é essencialmente adverso.

O Tricolor deparou-se contra a equipe de três cores da Bahia de São Salvador. Primeiro jogo de eliminatórias pela Copa do Brasil, torneio que tem a sua importância: primeiro, ela traz ao cenário times que pouco aparecem na mídia durante boa parte da temporada. Segundo, permite a essas mesmas equipes, muitas consideradas de pequeno porte, o sonho de uma boa colocação e até mesmo do título – que o digam Criciúma, Santo André e Paulista. Terceiro, o fato de a competição ser no sistema popularmente conhecido como "mata-mata" tempera todos os jogos, que têm caráter decisivo.

Falarei do jogo. O Tricolor não passa por uma boa fase. Passes simples tomar enorme ar de dificuldade. Uma simples cobrança de lateral para ter a sombra do desespero. Compreende-se. Um clube centenário, criado do paradigma do futebol nacional, acostumado a títulos e com muito pouca coisa a comemorar nos dias vigentes. O escapar da degola no campeonato brasileiro do ano passado trouxe sopros de mudança. Contrataram dezessete jogadores e dispensaram Marcão, o novo Rei Zulu. Não poderia ser impunemente. Veio o fracasso na competição doméstica, não há um time pronto para o brasileiro e o que sobrou foi o sonho da Libertadores, cuja via de acesso com menor tráfego é a Copa do Brasil. Logo, todas as fichas nela estão, e a pressão é grande. Por outro lado, o descrédito gerado pela má campanha traz pouca gente ao estádio, uns dez mil. O Tricolor não é time de estádios vazios. Para ele, cem mil torcedores é uma reles bagatela. Injusto, portanto.

Sim, o jogo. O primeiro tempo não foi de todo mau; aliás, nem mau chegou a ser. O Fluminense, ao contrário de outras partidas, começou com ímpeto e criando jogadas, pressionando, fazendo valer sua condição de mandante, contra um Bahia grande de camisa, mas atualmente muito limitado. Pouco depois dos quinze minutos, Rafael Moura, perito, perdeu gol feito acertando a trave, para desespero da nação. Em seguida, veio um cruzamento da direita, Carlos Alberto matou, ajeitou e chutou bem, com força, no meio do gol, mas sem defesa para o veterano goleiro Paulo Musse. A partir de então, pelo restante do primeiro tempo, veio relativa calmaria para Laranjeiras: atacava, embora sem perícia nas finalizações, e não era incomodado em nenhum momento pelos baianos. Respirava-se com certo alívio. Veio o intervalo. O Fluminense terminou relativamente bem, terminou melhor do que todos os seus jogos recentes.

E então, amigos, aconteceu o que eu me referia no primeiro parágrafo, o pandemônio que é enfrentar a tempestade constante, a má fase. Tivesse um bom momento nas mãos, o Tricolor teria ampla vantagem no marcador durante a primeira etapa, pelo menos mais dois tentos, e tudo estaria num mar de rosas. Porém, o magro escore deu margem para novos temores. E na Copa do Brasil, sofrer gols em casa é perigo de óbito.

O Tricolor vive um mau momento.

O primeiro ataque baiano misturou falhas da zaga com a freqüente ineficácia do goleiro Fernando ao sair do gol. O veloz atacante Fábio Saci não perdoou e completou para as redes. A partir de então, outro Fluminense ocupou o campo, temeroso com o revés. Um Fluminense medíocre, acuado por um adversário naturalmente mais fraco, nervoso, perdido. Passou a errar tudo. E o jogo passou para as mãos do Bahia, que só não virou marcador devido, repito, à limitação de seu time. Torcedores de arquibancada vociferavam permanentemente e a vaia passou a dominar o Maracanã, com apupos reforçados para o ocupante da meta de Laranjeiras.
Não tenho em mente maiores lances de enorme perigo ou emoção no match. Lembro, isso sim, da vaia. A desconcertante e pavorosa vaia. Posso dizer que o jogo acabou na fantasia que tornou-se realidade, com o folclórico Saci. Tornou-se algo horrível de se ver, ainda que necessário para os torcedores de fé. Era quase uma autópsia de mau futebol.

Dez mil pessoas nervosas, irritadas.

O final não poderia ser pior. Houve uma falta desnecessária de Carlos Alberto, ao término do jogo. Tomaria apenas o amarelo. Nervoso como estava, alterou-se e foi expulso. As arquibancadas rejeitavam Joel e louvavam Renato Foi um empate com sabor de derrota.

Nada está perdido, senhores, é o Fluminense. Ao Bahia, serve um empate sem gols. Ou uma vitória simples. E só. Para os Tricolores, repetir o mediano primeiro tempo de ontem já seria um alento para uma vitória, ou mesmo um empate por dois ou mais gols, que traria a vaga para os cariocas.

O time está nervoso. Carlos Alberto não joga. A defesa confunde-se. A meta está vazia.
Reitero, porém, que, quando trata-se de Fluminense, a vitória impossível simplesmente não existe. É muito difícil, e poderá ser mais ainda. Impossível, jamais.
Nem com a má fase pelo caminho.

Paulo Roberto Andel, 19/04/2007

Suspense

O encanto do futebol vem da sua pluralidade, das inúmeras possibilidades que uma peleja permite, interpretações, panoramas. O futebol é um verdadeiro caleidoscópio – cada ângulo traz à mente uma diferente imagem. E é disso que nasce a paixão pelo esporte maior.

Assim foi o jogo de hoje, a grande final da Taça do Rio. O teoricamente favorito Botafogo contra o muito bem armado Cabofriense.

O placar não traduziu a dinâmica do jogo e, em alguns momentos, ele ficou completamente avesso ao que acontecia: quando o Botafogo era muito melhor, os de Cabo Frio igualaram o marcador. No fim do jogo, quando tudo indicava a vitória das três cores, o Alvinegro chegou ao empate. Partindo desse princípio, houve alternância, equilíbrio; contudo, ao verificar a quantidade de jogadas perigosas de ataque, o Botafogo foi avassalador. Somente no primeiro tempo, foram mais de vinte ataques e cinco chances reais de gol, com apenas um aproveitamento. E que aproveitamento! Dez minutos aproximadamente, uma cobrança de falta ensaiada, executada por Lúcio Flávio, chegou a Dodô. Ele raspou na bola, que tocou no travessão. Na sobra, prevaleceu o talento: ajeitou o corpo e desferiu belíssima bicicleta, abrindo o placar.

Os vinte e cinco minutos seguintes foram um verdadeiro show botafoguense, com ataques empolgantes e uma atuação espetacular do jovem goleiro Gatti, que provavelmente trocará de clube em breve, dado o enorme destaque de suas partidas no certame. Quem visse a primeira meia hora da partida seria capaz de apontar o Botafogo campeão da taça e do ano, sem piedade. Mas o futebol tem seus ares de caleidoscópio. Uma falta cobrada no travessão e a bola sobrou livre para a Cabofriense empatar a partida, num momento em que o Botafogo era senhor absoluto das ações em campo. Quem foi o artilheiro? Marcão, ídolo de Laranjeiras e que marcou boa parte de seus poucos gols na carreira contra o Alvinegro. E era uma decisão. Marcão fez gols nas partidas de conquistas do Tricolor em 2002 e 2005. Ratificou a característica de goleador em decisões.

Os minutos finais de jogo mostraram um Botafogo sentindo o golpe, mas sem desespero. E, claro, um Cabofriense mais confiante, que entrara em campo como coadjuvante do espetáculo e tinha revertido o quadro: o Botafogo vinha de um primeiro tempo excelente, afora a grande atuação do meio de semana, quando conquistou a vaga contra o Vasco. Terminou o primeiro tempo.

Retomada a partida, o Botafogo disse a que veio, com uma bola na trave logo de começo, sete minutos. Parecia que o time tinha absorvido bem o golpe do primeiro tempo.

Entretanto, como todos sabemos, há coisas que só acontecem ao Botafogo.
No minuto seguinte, uma falha de marcação na defesa botafoguense, com a linha de impedimento – para alguns, a linha "burra" – equivocada, permitiu que o ex-alvinegro Marcelinho entrasse sozinho pela direita, driblasse Júlio César e tocasse para o gol vazio. Pânico na parte cheia das arquibancadas do Maracanã. Sabia-se que a derrota no primeiro jogo aportaria enorme tensão para a partida final, a ser realizada no domingo que vem.

E o jogo mudou novamente.

O Botafogo não era mais o time bem-articulado da primeira etapa. Mas tinha a força, a vontade. E partiu para cima dos de Cabo Frio. As jogadas já não saíam com a mesma precisão, devido a erros e, claro, o nervosismo que toda equipe considerada de grande porte tem, quando encontra-se em desvantagem perante um adversário mais modesto.

No meio do segundo tempo, veio uma nova bola na trave, no travessão, cabeceada pelo zagueiro Juninho. Murmúrios das arquibancadas revelavam exasperação. E o Cabofriense defendia-se como era possível, utilizando bem os contra-ataques, embora sem ameaçar significativamente a meta de Júlio César.

A dez minutos do fim, um certo alívio inundou o Maracanã, quando Jorge Henrique cruzou da direita e ele, sempre ele, Lúcio Flávio, entrou pela diagonal da esquerda e cabeceou no contrapé de Gatti, dando números finais ao jogo.

Não foi um resultado que possa ser considerado bom para o Botafogo. Dadas as circunstâncias finais da partida, até foi; contudo, pela quantidade de gols perdidos e pelo enorme volume de jogo na primeira etapa, houve um sabor amargo de derrota. Matematicamente, a visão é outra: o empate salvou o Botafogo da enorme dificuldade que teria se, hipoteticamente, fosse enfrentar um time com a vantagem do empate.

A decisão mesmo, a primeira, é no domingo. O Botafogo luta. Até lá, ficamos sob suspense.
Enquanto isso, os outros descansam, pensam no futuro, na Copa do Brasil, no Brasileiro.

E o Flamengo espera, espera.

Paulo Roberto Andel, 16/04/2007

Os clássicos são eternos

O jogo entre Botafogo e Vasco, realizado na noite de ontem no Maracanã, provavelmente foi o mais emocionante do ano até agora. E pode ter sido também o mais emocionante desde muito tempo atrás – o primeiro tempo, com certeza, foi o melhor em mais de uma década. O horário tardio imposto pela transmissora e mais a transmissão aberta trouxeram menos púbico do que a partida pedia. De toda forma, clássico eterno!

Emoção que começou antes do jogo. Romário estava prestes a marcar o milésimo tento, mais uma vez, após fracassadas tentativas e ausência de jogos fora do Maracanã. Alguns botafoguenses desesperados temiam o rol das coisas que só acontecem ao Alvinegro.

E o começo foi de arrasar. Com falhas de goleiro Júlio César e do volante Túlio, em três minutos o Vasco já tinha aberto dois a zero, com gols de Renato e Abedi. Temia-se por uma goleada histórica em General Severiano. E, com esse retrospecto fulminante, seria o esperado.

Há coisas que só acontecem ao Botafogo.

Um minuto depois da segunda festa vascaína, o Botafogo eletrizou ainda mais o jogo, em súbita cabeçada de Luciano Almeida, após cruzamento de Lúcio Flávio pela direita. Em diante, a partida mais rápida e disputada do campeonato, com ataques e contra-ataques eletrizantes, até que aos vinte e um minutos, em ritmo frenético, o Botafogo chegou ao empate: houve um cruzamento rápido de Luciano Almeida, e Zé Roberto finalizou violentamente, de primeira. O silêncio vascaíno foi reflexo do que então aconteceu: ali, o jogo estava na mão dos alvinegros, e tudo indicaria que a virada seria questão de momento. Impunha-se mesmo diante de um Vasco vigoroso, raçudo e que tinha aberto dois gols em tempo recorde num clássico.

Gols de um lado e de outro, mas sentia-se no ar que a respiração diferente em todo o estádio acontecia quando Romário aproximava-se da bola. Isso aconteceu aos trinta e três minutos: Jorge Luiz, invertido, foi a fundo para o cruzamento pela direita -a bola encobriu Júlio César e entrou no ângulo direito. Romário vinha com tudo e chegou a três centímetros da bola, se muito. O Vasco, que tinha passado a ser dominado, avançou novamente no placar.

Há coisas que só acontecem ao Botafogo, mesmo que por pouco tempo.

Três minutos. Novamente, depois de mortalmente golpeado, o Botafogo saiu das cinzas aos céus. Mais uma vez, mais uma grande jogada de Lúcio Flávio, cruzando da direita, e Dodô cabeceou inapelavelmente contra as redes de Cássio. Alívio na esquerda das tribunas, mal estar na direita e, de certa forma, uma saudável sensação de justiça. O Botafogo estava muito melhor, muito mais firme e objetivo.

Os vascaínos sabiam disso. Perceberam que a vantagem inicial e o terceiro gol foram frutos da velha camisa, da força, e não de uma atuação soberba, embora com muita raça e velocidade. Não o suficiente para brecar a fúria alvinegra. A um minuto do fim, ele, decisivo, Lúcio Flávio, cobrou falta na frente da área. A bola quicou e entrou no canto esquerdo de Cássio, que falhou no lance. Pela primeira vez no incrível jogo, o Botafogo saltava no marcador e superava os vascaínos. E terminou o primeiro tempo de um jogo incessante, capaz de tirar o fôlego de qualquer um.

Veio o segundo tempo, incendiário com a falta que Guilherme acertou no travessão botafoguense. Depois, um momento de tensão; com a confusão do árbitro Calábria, Túlio foi expulso e o jogo, paralisado. A vantagem de um jogador para o Vasco foi temporária. Em paralelo, as modificações: Cuca, o treinador Alexis Stival, como anuncia o velho placar de lâmpadas, tirou Lúcio Flávio e colocou Diguinho, para aumentar a marcação e compensar Túlio. A famosa lei das compensações tirou André Dias dos cruzmaltinos, que tinha entrado justamente para aumentar a velocidade do time, no lugar de Júlio Santos, aos dezessete minutos. A partir de então, jogo franco, com velocidade forte embora não a mesma do alucinante primeiro tempo. Mais chances para o Botafogo: um pênalti em cima de Dodô não foi marcado,uma excelente jogada de Jorge Henrique para o desarme de Dudar.

Quando a vitória se aproximava e a superioridade alvinegra era inquestionável, a menos de dez minutos do fim, Alan Kardec subiu sozinho para cabecear a bola advinda de cruzamento da esquerda, e fuzilou o ângulo direito de Júlio César. Era o empate em quatro tentos. Seria um gol espírita?

Alan Kardec. Há coisas que só acontecem ao Botafogo.

Inimaginável um jogo com oito gols e nenhum de Romário. Fato quase inédito em sua carreira.
Jogo encerrado, tudo entregue à magia dos pênaltis. Melhor dizendo, tiros livres diretos cobrados da marca penal. Drama para depois da meia noite.

Em tese, e apenas tese, em geral quem empata o jogo vai para os pênaltis com certa, digamos, força na hora de cobrar. O time que tinha a vitória nas mãos geralmente sofre certo abatimento. Dessa vez, tudo mudou.

Morais e Dudar, bons jogadores vascaínos, realizaram cobranças esdrúxulas. Uma, bem defendida por Júlio César; outra, longe da esquerda do gol. E o Alvinegro fechou a série com quatro gols contra um, conquistando o direito de decidir a Taça do Rio contra o vencedor da partida de hoje, envolvendo o Madureira e o Cabofriense. Uma vitória que varou madrugada.
Em futebol, tudo pode acontecer. Há lenha para ser queimada. Contudo, pelo visto, o Botafogo tem favoritismo para chegar à grande final do certame. Que o vencedor de hoje se cuide.

E o Flamengo também.

Há coisas que só acontecem ao Botafogo. Algumas, maravilhosas.
Paulo Roberto Andel, 13/04/2007

A derrocada

Amigos, o Tricolor despediu-se do campeonato estadual no dia de ontem, após uma difícil vitória sobre a atlântica equipe do Boavista, pelo placar de quatro tentos a três.

Foi uma tarde tristonha. Inicialmente, pelo reduzidíssimo público presente ao Maracanã. Cerca de duas mil pessoas. Havia um vazio enorme nas arquibancadas, um sentimento de solidão. Compreende-se o desinteresse pelo jogo, tendo em vista que a classificação do Fluminense tinha probabilidades mínimas, devido a uma péssima campanha no certame atual. O simpático Boavista trouxe sua pequena leva de torcedores de Saquarema, apoiados pela prefeitura local, acrescidos de mais uns dois ou três rubro-negros – sim, incrivelmente, rubro-negros porque o jogo de fundo, após o pesadelo de Laranjeiras, viria a ser Flamengo x América, mero amistoso com a consolidação dos resultados das partidas até às seis da tarde.

O Maracanã não nasceu para ficar vazio. Dentro dele, é preciso um turbilhão de pessoas, um mundaréu de gentes. O grito das torcidas, a tensão, as cores e a festa.

Tarde ensolarada, vendedores de picolés e bebidas gritando seus produtos, começa o jogo. Parecia que o Tricolor, em sua batalha final, tomaria ares de vitória: numa jogada confusa, com bola quicando na área, Cícero tocou para as redes e abriu o escore. A minúscula massa vert, blanc & rouge teve segundos de satisfação. Segundos.

Saída de bola, ataque do Boavista pela direita da defesa, falha de Luiz Alberto, e o cruzamento veio na medida para o esperto atacante Anselmo fuzilar a rede. Mal construíra vantagem, o Tricolor sentiu o peso, a consolidação da precoce eliminação, e tudo temperado com vaias e palavrões dos torcedores mais exasperados. Toda a frustração aos berros, e poderia até piorar. Piorou.

O lateral Paulo Rodrigues, aos vinte e três minutos, acertou um chutaço do bico esquerdo da grande área, decretando a virada. Com a vantagem de Saquarema, os arquibaldos dirigiram-se furiosamente para a grade que os separa das tribunas, e xingaram ardorosamente o presidente Horcades. O baixo calão também atingiu em muito a Joel Santana. Em dado momento, foi mais interessante ver o espetáculo bizarro das arquibancadas do que, propriamente, assistir o jogo. Em campo, o Fluminense estava completamente perdido e alguns cogitaram o terceiro gol do Boavista, que não aconteceu. Assim terminou a primeira etapa.

Com a péssima atuação, era difícil imaginar o que poderia ser feito para alterar os ventos do Tricolor. Joel tirou Roger e Soares, para as entradas de Júnior César e Rafael Moura. Se as substituições feitas levassem em conta o histórico dos jogadores, eu diria que a de Roger foi péssima e a de Soares, ruim. Entretanto, por se tratar de questão pontual, deu certo. Ainda que com muitos erros, Júnior deu mais velocidade ao time. E Rafael Moura, bastante desengonçado, entrou raivoso, mito disposto. Aconteceu que o panorama do jogo se alterou: o Fluminense, aos tropeços, tomou as rédeas da partida – ruim, ressalte-se – e ofereceu ao Boavista apenas as opções de contra-ataque. Isso, no campo. A torcida ainda estava, com justiça, muito irritada com a atuação horrorosa.

Veio uma cobrança de falta, aos dezessete minutos. A defesa do Boavista parou, Luiz Alberto raspou de cabeça, sozinho, para decretar o empate. Então, o desgastado Boavista deu sinais de derrota, quase consolidada sete minutos depois do gol de Luiz, quando o limitadíssimo mas esforçado Rafael Moura escorou bem um cruzamento e virou o jogo. No outro lado, o de Boavista, o destaque ficou por conta da entrada do polêmico atacante Alex Alves, fora do peso e metrossexual assumido.

Não se pode negar jamais o espírito crítico dos torcedores do Fluminense. Mesmo com a virada, a torcida em momento nenhum aprovou a atuação do Tricolor, e manteve suas críticas, mesmo com a vantagem no placar. Para se ter uma idéia, a melhora substancial do time do Fluminense fez com que a partida se tornasse apenas, digamos, ruim.

Os momentos finais do jogo foram marcados por mais um gol de Carlos Alberto, sem comemorações, a dez minutos do fim. A cinco, mais um lance patético envolveu o goleiro Fernando: atrasado no tempo de bola, saiu mal do gol na esquerda da grande área e cometeu pênalti em Everton. Por ser o último homem da falta, foi devidamente expulso. O Fluminense já tinha feito as três alterações e, com isso, Cícero foi para o gol. Quase pegou o pênalti, cobrado por Anselmo e provocou a reação de torcedores mais bem-humorados, que pregavam sua efetivação na nova posição.

Os cinco minutos finais serviram para celebrar a péssima partida. Curiosamente, quem vir apenas o placar, terá a impressão de um match emocionante – e não foi absolutamente o caso. O adeus do Fluminense foi vitorioso no placar, mas amargo no que significou.

Torcedores do Flamengo, que chegaram antes para a preliminar, devem ter divagado sobre o que lhes esperava em seguida. Seria uma vitória, como a Tricolor. Seria um jogo fraco, como o anterior. Mas o Flamengo está na final. O Fluminense busca a sorte no futuro.
Paulo Roberto Andel, 08/04/2007

Thursday, April 05, 2007

Quase inesperado

Devido ao não acontecimento do milésimo gol de Romário na partida contra o Botafogo, realizada no domingo passado com absoluta vitória alvinegra, foi criada à última hora uma rodada dupla no Maracanã, abrigando os jogos desta quarta, ambos pela Copa do Brasil. O jogo do Fluminense contra o América de Natal foi antecipado no horário, de modo a comportar o Vasco na partida de fundo contra o brasiliense Gama.

A preliminar foi assustadora para os torcedores do Centenário. O Fluminense, que vinha de uma derrota no clássico contra o Botafogo, mas tinha jogado bem, em seguida despencou. Derrotas inquestionáveis para o desfalcado Madureira e o limitado Americano praticamente alijaram o Tricolor de uma conquista carioca. Atuações péssimas. E não foi diferente ontem. A vantagem de ter marcado dois gols fora de casa, na partida de ida, foi a salvação de Laranjeiras – a de volta foi catastrófica, só não resultando em eliminação por causa das limitações imensas do time potiguar, que perdeu uma arroba de gols por absoluta escassez técnica. Os poucos e corajosos torcedores presentes ao Maracanã assistiram um espetáculo bizarro, um non sense, algo inimaginável para um time que, em tese, treina junto alguns dias da semana. Parece que alguns acabaram de colocar o manto Tricolor e entrar em campo, sem conhecer os companheiros de time, tamanho o desacerto. Outros, estigmatizados pela deficiência em passes simples e dribles, foram exorcizados com impactantes palavrões. Até mesmo o querido Carlos Alberto, jogador de grande potencial, mas que, reconhecidamente, ainda não atingiu o Pantheon, foi vaiado feito chuva em cântaros. Fato grave foi também o Tricolor atuar boa parte do segundo tempo com um jogador a mais e ser amplamente dominado – parecia que o América é que tinha o onze completo em campo. Não há um chute, um passe, um drible a ser destacado. Pavoroso. O Fluminense, beneficiado pelo regulamento, agora enfrenta o Bahia, e certamente terá sérias dificuldades de ir à frente na competição brasileira que, agora, começará a afunilar.

O raso público Tricolor na partida preliminar diminuiu ainda mais com o fim da lamentável partida, classificação com sabor de derrota. De toda forma, alguns ficaram para tentar testemunhar o tão esperado gol de Romário, fazendo galhofa também ao criarem torcida para o simpático Gama.

Ressentida com a derrota de domingo, além do péssimo horário de quase dez da noite para um match, a torcida de São Januário veio em bom número para uma partida comum, não para a festa que poderia acontecer. Mais de trinta mil pessoas. Não o desejado, mas suficiente para um barulho digno dos velhos tempos de Maracanã clássico.

Claro, todas as atenções e holofotes estavam direcionadas para Romário. Todos, absolutamente. Quando definiu-se para que lado o Vasco atacaria, todos correram para o gol à esquerda da tribuna, esperando com fé a finalização mágica do Baixinho, que acabou não acontecendo.

O primeiro tempo começou logo com o gol do Gama, num chute de longa distância dado por Ninja, isso mesmo, com a complacência de Cássio. Não seria o que se chama de um “frango” convencional, mas um gol evitável. E isso enervou os vascaínos, que sofreram bastante com o bom toque de bola e a velocidade do time planaltino, senhor da partida.

Uma jogada e outra, lá, houve um cruzamento e Renato cabeceou sem defesa para o bom goleiro Juninho, por volta dos quinze de jogo. Naquele momento, o Gama era melhor e o Vasco igualara o placar. Esperaria-se uma apoteose com a reação, apoiada pela massa vascaína. A torcida fez seu papel, mas o time não. De alguma forma, pode-se dizer que o jogo ficou mais próximo do equilíbrio do que do, até então, predomínio do Gama. Nos dez minutos finais, não houve grandes emoções e a partida continuou como estava, exceto por um lindo passe de Romário para a conclusão de Morais e defesa de Juninho.

Marcante foi que, a cada ataque do Vasco, havia um suspiro diferente, um “uhhhh”, mesmo que as jogadas não fossem tão ameaçadoras. Todos queriam o gol de Romário. Meu amigo Álvaro Dória alertou-me de que parecia mesmo um Maracanã de antigamente – um Maracanã que ele não identificou na volta dos times: o Vasco esperou vários minutos pela volta do Gama, e apenas o goleiro Cássio aquecia-se; o resto do time, de mãos na cintura, espreitava o círculo central. Ninguém chutando bola, trocando passes. Um mau sinal, que confirmou-se: voltou o panorama da primeira etapa, com a velocidade e o bom toque de bola do Gama, contra esparsos ataques do Vasco – num deles, Guilherme, que acabara de entrar, acertou a trave. Mas era pouco. Romário, vigiadíssimo, não teve chances reais.

O tempo foi passando e o empate garantia São Januário na fase seguinte. A força dos ataques do Gama foi diminuindo, devido ao cansaço e tudo parecia que terminaria como desde o primeiro tempo. Os suspiros da torcida estavam recolhidos. E, quase inesperadamente, no último ataque da partida, já nos acréscimos, uma excelente cobrança de falta de Marcelo Uberaba, no ângulo direito de Cássio, deu números finais ao jogo, eliminou o Vasco e aumentou o amargor pelo ainda não feito milésimo gol.

Esperava-se a festa cruzmaltina. Acabou com abraços efusivos do time alviverde, comemorando o feito histórico. Mais uma vez, adia-se o sonho de Romário.

Um ou outro torcedor do Fluminense mostrava satisfação: se fosse o Gama em vez do América, teria sido muito pior para Laranjeiras.


Paulo Roberto Andel, 05/04/2007

Monday, April 02, 2007

Retrato em branco e preto

Depois de dois meses, finalmente o Maracanã teve o público que merecia para o jogo entre Vasco e Botafogo. Mais meses, talvez. Um clássico, com gritos de torcida, confrontos e a saudável tonalidade de perto e branco que cobre o estádio quando os dois times se enfrentam, uma ligeira impressão de que as coisas voltam aos anos sessenta, quando parecia que tudo daria certo no país do futuro denominado Brasil.

Mais do que a disputa pelo acesso às semifinais da Taça do Rio, que já parecia quase assegurado para ambas as equipes, houve o principal motivo para a lotação do Maracanã: o milésimo gol de Romário. O astro, a atração máxima. Não faltavam motivos: o Baixinho foi o principal algoz botafoguense dos últimos vinte anos, marcando mais de trinta tentos, e brilhou na maior goleada que o Alvinegro tomou em toda a história do Maracanã. Romário está no canto do cisne de sua carreira, impulsionado pela marca história – aos 41 anos, mostra que ainda pode e sabe fazer os gols. Em suma, as estatísticas indicavam que lugar dos vascaínos era ontem, na arquibancada da direita. E eu creio que foi justamente o milésimo gol que decidiu a partida, embora não tenha sido marcado.

Tenho minhas razões.

Primeiramente, embora o Vasco seja um gigante do futebol, um colosso mundial, sua direção tem resistências em jogar no Maracanã porque, como dizem, “o Vasco tem estádio”. E tem mesmo. São Januário, berço de beleza e pioneiro na democracia do futebol brasileiro. Porém, São Januário é de 1927, quando o time vascaíno não tinha cinco anos de primeira divisão. A partir de 1950, como seria para todos os outros gigantes, era natural que o Vasco fizesse do Maracanã o seu palácio – e assim o fez, por quase quarenta anos. Das equipes de imensa torcida do Rio, o Vasco é o único que não faz do Mário Filho a sua prioridade, e nele joga menos do que deveria. Resultado é que ontem, com todo o respeito que o clássico mais do que merece, Maracanã tomou ares de final da Copa do Mundo, dada a possível marca de Romário. Pela atuação cruzmaltina, há uma impressão de que o time sentiu o peso do gol mil, o estádio abarrotado, a pressão – coisas que, se estivesse com justiça mais vezes no Maracanã, provavelmente os jogadores não sentiriam. Pode ter sido um mísero detalhe, mas as grandes vitórias no futebol são conquistadas em detalhes, às vezes. O Vasco merece mais o Maracanã e vice-versa. Quando o Maracanã foi erguido, o grande time do país era justamente o Vasco – e dele, Vasco, generosas sementes floresceram nos anos cinquenta para que o Brasil iniciasse a trajetória para o tope do mundo futebolístico.

Outra questão. É claro que a imprensa incendiou General Severiano, ao presumir que Romário faria o gol de qualquer forma contra o Botafogo. Treinados por Cuca, grande jogador que por muito tempo aliou técnica e raça, os alvinegros alimentaram-se da mídia para dar o máximo de si no campo. E foi o que aconteceu. O Botafogo entrou em campo como um leão ferido, ávido de vingança e rei das selvas. E foi senhor absoluto do jogo, imponente, como não se via há muito tempo, mesmo quando vencia o Vasco. A última vez que me lembro de tamanha autoridade dos botafoguenses foi nos tempos do time de Túlio, mais de dez anos.

Clássico não se vence de véspera, e os vascaínos já deveriam saber disso.

Com quinze minutos de partida, o Botafogo vencia com o gol do excelente Lúcio Flávio, um chute forte, de fora da área, que tocou a trave esquerda de Cássio antes de beijar a rede, mas no lado oposto. E estes quinze minutos foram fulminantes, com cinco chances reais de gol e um Vasco recuado em seu próprio campo. Como reza a tradição, após a desvantagem, os vascaínos arriscaram-se mais no ataque, embora sem nenhuma ameaça causada ao jovem e bom goleiro Júlio César. Romário teve apenas duas aparições na primeira etapa; na primeira, pôs a mão na bola e foi advertido com cartão. Na segunda, encobriu o goleiro botafoguense, que defendeu bem. O primeiro tempo encerrou botafoguense.

A segunda etapa foi aberta por chance clara de Jorge Henrique, para brilhante defesa de Cássio – seria a primeira de muitas. O goleiro vascaíno fez uma série de grandes intervenções e impediu o que seria uma justa e implacável goleada de General Severiano. Em contrapartida, o Vasco melhorou no segundo tempo e passou a atacar mais. Iniciou tudo com uma finalização de Romário, sempre ele, mas a bola tocou o lado direito de fora da rede.

Perto dos vinte minutos, o Maracanã foi tomado por um clamor extraordinário, quando Romário novamente tentou encobrir Júlio César, mas a bola foi para fora, por cima do travessão. Segundos extraordinários e, apesar do maior volume alvinegro, parecia que a tradicional “freguesia” entraria em ação a favor do Vasco. Ledo engano. Em seguida, Dudar foi expulso e isso atrapalhou a reação dos vascaínos.

O Botafogo foi perdendo uma seqüência de gols, todos com grandes defesas de Cássio, o melhor em campo. A cinco minutos do fim, Joílson foi expulso, o que poderia significar o último fôlego vascaíno, mas não aconteceu – houve apenas uma finalização, claro, de Romário.

Ao apagar das luzes, um contra-ataque botafoguense deixou o time à frente do gol vazio, dado que Cássio saiu da meta para impedir o tento. Uma ótima tabela entre Jorge Henrique, Zé Roberto e Juca fez com que a bola chegasse aos pés do volante Túlio, que fuzilou sem piedade para o gol escancarado, e o Alvinegro assegurava a vitória.

Foi um dia em que o Vasco foi pouco Vasco, mas o Botafogo foi extremamente botafoguense. Uma atuação de muita garra, velocidade, técnica e conjunto, irresistível. Qualquer resultado que não apontasse o Botafogo vencedor ontem estaria sob a égide da injustiça.

O campeonato segue. O Botafogo é o favorito para vencer a Taça do Rio, pelo que está apresentando. O Vasco também tem suas chances. O Flamengo fica na espreita, enquanto o Tricolor amarga mais uma despedida precoce, após novo desastre contra o limitado Americano.

O gol mil fica adiado. Talvez não tenha as luzes do Maracanã, talvez aconteça em São Januário, na quarta, contra o Gama, pela Copa do Brasil. Talvez não seja nada disso. Ele acontecerá, em breve. Ao certo, ninguém sabe ainda. Esperemos.

Por enquanto, de certo mesmo, apenas o brilho do Botafogo no sensacional jogo de ontem. A estrela solitária falou mais alto.


Paulo Roberto Andel, 02/04/2007