Friday, July 23, 2010

FLUMINENSE 1 X 0 CRUZEIRO (22/07/2010)


Topo! (23/07/2010)

Era a celebração do centésimo-oitavo aniversário. Era o Maracanã tomado de pó-de-arroz à esquerda da tribuna. Eram trinta mil torcedores dispostos a ver a última pá-de-cal em tudo o que foi mal-escrito contra nosso time no ano passado. Foi um placar magro, o velho um a zero dos tempos pré-campeonato mundial de 1952, quando Telê era o Fio de Esperança em campo e Zezé Moreira escrevia seu nome na história Tricolor. Um a zero. Ponto. O Fluminense venceu e, ao menos momentaneamente, se tornou o líder do campeonato brasileiro de 2010. Quem seria capaz de pensar isso em setembro do ano passado, quando os grandes cientistas e filósofos do futebol tinham decretado a morte do Fluminense? Pois é, a vingança é um prato que se come frio – e no momento certo.

Nada de maus sentimentos. Vamos falar de festa. Que beleza foi a nossa torcida saudando Cuca! A façanha de 2009 está eternizada na história do futebol brasileiro. O Fluminense está morto, era o que se dizia e escrevia incessantemente. Aconteceu uma virada monumental, oceânica – e Cuca teve grande participação neste processo, não à toa sendo imensamente saudado ontem por toda a nossa torcida. E se Cuca teve festa, Muricy também teve a sua: não queremos de forma alguma que, neste momento, o excelente treinador paulista deixe as Laranjeiras, por conta da vigorosa proposta que deverá emanar da CBF.

Foi uma grande noite, mas é importante deixar claro que foi um jogo duro e que não tivemos grandes momentos de gala. O Cruzeiro, bem-armado por Cuca, veio num esquema que parecia até ser bastante defensivo, tendo geralmente oito jogadores na marcação e defesa – no entanto, o perigo estava no bote da Raposa, em contra-ataques velocíssimos felizmente impedidos pela nossa defesa, ainda que Gum estivesse cumprindo uma jornada bastante insegura – chegou a errar quatro jogadas seguidas, talvez ainda confuso pela adaptação ao sistema com três zagueiros. Diguinho, por sua vez, voltou a repetir o velho erro de ter a bola dominada e ser roubado sem perceber, mesmo com milhares de torcedores gritando “Ladrão!”.O veterano Gilberto era o principal coordenador das jogadas do time celeste, que não permitia as nossas investidas de ataque. Outro bom jogador em campo pelo time do Cruzeiro era nosso Everton, vendido tão rapidamente e com tanto a dar pela nossa camisa. E também deve ser registrada a boa atuação do sempre perigoso atacante Thiago. Do nosso lado, com a raça de sempre, Mariano voava em campo – é outro jogador quando comparado com o meio do ano passado. E, se o Cruzeiro estava fechadíssimo, quem seria nossa dupla capaz de desmantelar a sólida defesa azul? Fred e Conca, naturalmente. Entretanto, ambos estiveram abaixo do rendimento normal: Conca, muito marcado, pouco produziu; o craque do nosso ataque parecia lento e com dificuldades físicas até. Aproveito para não agir injustamente com o nosso atual goleiro: quando foi exigido, mostrou-se bem, embora eu discorde da opinião da crítica especializada de que foi o melhor do nosso time ontem. Fez o que cabe a um goleiro que veste a camisa do Fluminense. E, justamente também, conseguiu uma façanha pessoal rara: conseguiu terminar dois jogos seguidos no campeonato brasileiro sem ser vazado, o que talvez possa ser visto como um bom presságio.

Pouco antes do fim do primeiro tempo, um acontecimento foi decisivo para a mudança dos ventos e a construção da nossa vitória: a contusão de Gilberto, que sensivelmente diminuiu o ímpeto cruzeirense, para quem um empate seria ótimo resultado. E ainda houve tempo para a segunda melhor jogada de Conca na partida: um lindo lançamento para Carlinhos, que chutou para a defesa de Fábio.

Na volta para o segundo tempo, Muricy fez a alteração tradicional: pôs Alan no lugar do atrapalhado Rodriguinho, o que deu mais mobilidade na frente para nosso time, já que Fred não estava num de seus melhores dias. Mesmo sem Gilberto em campo, o Cruzeiro continuou a buscar o ataque e quase fez um gol com Thiago. No contra-ataque, houve um escanteio; Conca, que não vinha numa noite excepcional, sendo craque, compensou: cobrou com maestria na cabeça de Leandro Euzébio que, com muita força, acertou ótima cabeçada no canto direito de Fábio e abriu o placar que viria a ser definitivo. Num jogo difícil como estava sendo, era uma promessa de conquistar a importante vitória. Logo em seguida, Alan perdeu outro gol e, a partir de então, Fluminense e Cruzeiro revezaram-se nos ataques, embora o time mineiro tenha sido mais insistente, até porque estava em desvantagem no marcador. Aí, entrou o velho Gum de sempre, não o do primeiro tempo, tirando tudo da nossa área. E o jogo seguiu equilibrado até seu final, embora as equipes estivessem naturalmente desgastadas pela enorme força física aplicada. Terminamos o jogo segurando um excelente resultado: o Cruzeiro partiu para o jogo aéreo, mas a defesa do Fluminense estava imbatível – até o goleiro saiu da meta para defender, fato também raro.

O apito final do árbitro Sampaio significou muito mais do que uma simples vitória. Significou a reconquista do topo, o lugar onde o Fluminense sempre deve estar, no mínimo, bem perto. A torcida das Laranjeiras pode fazer festa sim; nada está ganho, ainda falta muita coisa para um campeonato que está no meio de julho e só terminará em dezembro. Contudo, uma coisa é certa: se os ventos não forem contrariados, o time que promoveu a maior virada em campo da história do futebol brasileiro é candidatíssimo a brigar por, ao menos, uma vaga na Libertadores de 2010. O título é um sonho. Mas real. É hora de sedimentar esse longo - e maravilhoso – caminho.


Paulo-Roberto Andel

Wednesday, July 21, 2010

PARABÉNS, FLUMINENSE


Cento e oito (21/07/2010)

No mundo atual, onde tudo é efêmero, qualquer coisa que dure dez ou vinte anos já merece todas as saudações.

E cinqüenta? E oitenta? E cem anos?

Mais ainda: e cem anos de futebol? E quase cento e dez anos de futebol?

E se essa data coincidisse com a verdadeira gênese do futebol mais vitorioso do mundo?

Sim, amigos, isto é o Fluminense, nascido com a elegância inglesa de Football Club em seu nome, típica de 1902, mas de uma brasilidade indestrutível.

O Fluminense não é o primeiro clube de futebol fundado no Brasil, mas certamente é o que determinou os alicerces do futebol brasileiro, além de pertencer à vanguarda das formações esportivas generalizadas – não à toa, conquistou a Taça Olímpica em 1949, tida como o “Prêmio Nobel” do esporte e, três anos depois, se tornou o segundo time de futebol no Brasil a ser campeão mundial; reparem que estas duas façanhas “cercam” o ano de 1950, tido como o mais trágico da história do futebol brasileiro. Mas nada abala o Fluminense. Absolutamente, nada. Desconfio de que, se um dia, o mundo realmente vier a acabar, a sede da rua Álvaro Chaves, intacta, será um marco da reconstrução do planeta.

Para minhas estatísticas oficiais, comecei a seguir o Fluminense em 1978 – ali, eu já sabia os nomes dos jogadores, que números de camisas ostentavam e tinha ouvido falar de uma certa Máquina (de jogar futebol), que também cheguei a ver mas poucas vezes, carregado pela mão por meu pai e servindo de alegria para torcedores – já contei aqui, mais de uma vez, que num determinado jogo contra um time de camisa diferente, o pessoal da arquibancada me jogava para cima a todo instante e isso impedia que eu comesse meu cachorro-quente Geneal com tranqüilidade: décadas depois, descobri que se tratava de uma goleada da Máquina contra o Vasco. E lá se vão trinta e dois anos, quase trinta por cento da história do clube acompanhada à vista. De tudo o que vi e vi neste tempo, um dia fará nascer um livro. Craques, jogadores medianos, pernas-de-pau, títulos heróicos, derrotas terríveis, grandes treinadores, péssimos treinadores; o saldo positivo é imenso, mas temos os reveses que só engrandecem a história deste amor centenário. Não, meus amigos, o Fluminense não é um time de lendas e mumunhas, um time inventado onde só se vence e se conquista; definitivamente, não! Nossa história é a história que pode ser encarnada em uma pessoa: a pessoa humana, com seus defeitos e inúmeras virtudes. E talvez isso é que incomode a tantos no Brasil: reconhecemos nossos erros e seguimos em frente. O Fluminense não é uma fantasia midiática, mas uma realidade incontestável. Como bem escreveu Marcos Caetano um dia, não fosse o Tricolor das Laranjeiras, talvez a seleção brasileira não ostentasse cinco estrelas no peito. Como escreveu nosso maior patrimônio, Nelson Rodrigues, tudo passará, exceto o Fluminense. Ao lado de Marcos e Nelson, nossos milhões de torcedores contam com a presença nas nossas fileiras de um Tom Jobim, uma Maria Bethânia, um Sérgio Brito, um Chico Buarque e mais um batalhão de famosos e anônimos que, ao seu jeito, ajudaram a construir a mais bonita e charmosa torcida do país – admirada por sua beleza até em momentos terríveis como a perda da Libertadores de 2008: o Fluminense não foi campeão por um triz, mas quem viu a beleza das nossas cores jamais se esquecerá. Até mesmo os jornalistas que costumeiramente tratam o Fluminense com desdém foram obrigados a se curvar: um deles apontou aquela festa no Maracanã como a mais bela que viu no futebol em toda a sua vida. E ai daquele insistir com a mesma velha chacota de que o Fluminense é um time cuja torcida é de “elite”. Elite sim, mas de personalidade; elite intelectual. Os nossos irmãos menos abonados são tão educados quanto os mais ricos, de grandes sobrenomes. A camisa do Fluminense está nas ruas, nos bairros nobres, mas também nos trens e nas vielas; é uma camisa da favela e do asfalto. É uma camisa de pobres e ricos, pretos e brancos, gordos e magros, mas principalmente de gente que lê e escuta. E não podemos ser perseguidos porque as mulheres da nossa torcida são as mais bonitas do mundo: que culpa temos da estonteante genética Tricolor?

Relembro novamente Nelson Rodrigues e, por um instante, na condição de Tricolor, deixo a humildade de lado. Quem venceu trinta títulos estaduais no Rio de Janeiro merece todas as loas. Quem foi o primeiro time campeão do mundo, resgatando o Maracanã para sempre, depois da desgraça de 1950, merece todas as loas. Quem forjou a história da seleção brasileira, dando-lhe casa e Marcos Carneiro de Mendonça como seu primeiro grande goleiro campeão, merece todas as loas. Quem semeou tudo o que aí está em termos da grandeza do futebol brasileiro merece todas as loas. E o que dizer dos grandes campeões de 1941, no Fla-Flu da Lagoa? Ou dos de 1969? E a Máquina? E os tricampeões dos anos oitenta, testemunhas dos fantásticos gols de Assis? Meus amigos, quem esteve do lado direito das arquibancadas no dia 25 de junho de 1995 está condenado à eternidade. Quem saiu do Maracanã naquele 30 de maio de 2007 convicto da grande vitória, quando empatamos um jogo perdido e vencemos a Copa do Brasil na semana seguinte, está condenado à eternidade.

Mais uma vez Marcos Caetano. O cronista, noutro aniversário nosso, escreveu sobre as duas vezes em que, ferido de morte, o Fluminense reagiu como um touro feroz e rasgou as convenções da mediocridade vigente: em 1912, quando venceu a Gávea pelo emblemático placar de três a dois, enfrentando o outrora time Tricolor que para lá migrou, fazendo nascer uma das mais fantásticas rivalidades do futebol mundial. E outra, quando na terceira divisão, vencemos o Náutico numa chuva torrencial com um Maracanã sem arquibancadas e os torcedores quase se afogando na antiga geral. Nestas duas oportunidades, o time que era ridicularizado pela imprensa mostrou ser o maior dos gigantes. Modestamente, eu acrescentaria aqui outro momento, dividido em duas temporadas. Nos anos de 2008 e 2009, o Fluminense era tido como o João-Bobo do futebol brasileiro, massacrado por rádios, jornais e canais de televisões. Era o rebaixado, o aniquilado, o borra-botas. O resultado todos sabem: duas reações fantásticas - especialmente a do ano passado, que considero a maior virada da história do futebol brasileiro em campo e que serve de silenciador para aqueles que nos acusam por erros do passado. O time que soube passar por aquela tempestade está preparado para vencer. Muitas vezes, também fui ridicularizado por escrever obsessivamente: “O Fluminense não cairá”. Não me cabe nenhuma vidência ou sorte, nenhuma superioridade intelectual, absolutamente nada. Apenas sou Tricolor e, neste terço de vida do clube, testemunhei muitas vezes o que esta centenária camisa e essa maravilhosa torcida são capazes de fazer. Estava na cara que o Fluminense não cairia. A junção de nossa camisa com um time de garra jamais falhou neste cento e oito anos; em dezenas de vezes, o adversário era tido como o favorito e saímos campeões. Essa é a nossa sina: desafiar paradigmas.

Sete meses depois dos seguidos atestados de óbito que a imprensa falaciosa nos impôs, o Fluminense entrará no sagrado Maracanã amanhã para jogar contra o Cruzeiro e, em caso de triunfo mais alguma sorte, se tornar o líder do campeonato brasileiro. Quem sabe vem por aí mais um título? Digo mais um porque a entrada de uma taça em nossa sala de troféus equivale a um passageiro pegar um transporte coletivo na hora do rush carioca.

Então o Fluminense pode ser tornar o líder do Brasil? Sim!

Quem espera sempre alcança.

Emudecidos estão aqueles que tentaram vilipendiar nosso hino.

Todos os parabéns ao nosso Fluminense e aos nossos dez milhões de amigos, com quem dividimos essa paixão. São cento e oito anos. Serão cem mil um dia.


Paulo-Roberto Andel

Monday, July 19, 2010

SANTOS 0 X 1 FLUMINENSE (18/07/2010)



Firme no topo (19/07/2010)

A dois dias de seu centésimo-oitavo aniversário, o Fluminense parece finalmente ter reencontrado o caminho das boas campanhas. Na próxima quinta-feira, nosso time entrará no gramado do Maracanã para enfrentar o Cruzeiro, na condição de vice-líder do campeonato brasileiro – à nossa frente, está o Corinthians, que nos venceu em um jogo onde tivemos tudo para, no mínimo, empatar a partida.

Não foi nada fácil o retorno ao campeonato. Quinta passada, o time deixou a torcida insatisfeita após o inesperado empate com o Prudente em casa. A torcida fez sua parte: iluminou a esquerda da Tribuna de Honra do sagrado estádio com isqueiros e colocou o time para cima. Fizemos um primeiro tempo de bela apresentação, com o gol de cabeça de Fred e perdemos outras chances. O que se viu em campo nos quarenta e cinco minutos iniciais foi um Fluminense senhor do jogo, com criação e arremates, ainda que Conca não estivesse numa noite de gala. No segundo tempo, o time minguou, ainda atacou, mas perdeu a força, o ímpeto e foi castigado com o gol de empate a dez minutos do fim, no primeiro chute real do Prudente em toda a partida. Veio o desespero e uma virada poderia significar forte abalo no time de Muricy, o que felizmente não aconteceu. Mas o empate deixou um gosto passado de derrota. O triunfo nos colocaria na liderança da competição, mas não deu certo. Pior: recuperar os pontos perdidos em casa contra o próximo adversário significava ter que vencer o poderoso Santos, dono da mais talentosa linha de ataque do Brasil, dentro de seus domínios. E, contrariando até mesmo os mais otimistas Tricolores, aí sim deu certo. O Fluminense venceu um dos mais difíceis adversários neste ano, numa partida em que suou muito. Em quatro dias, fomos da decepção à completa alegria.

Curioso o futebol. Contra o Prudente, com exceção dos dez minutos finais, quando entramos em choque com o empate, o Fluminense dominou o jogo amplamente, mesmo oscilando bons momentos com alguns de lentidão e dispersão. Ao cair de produção e não agredir mais na segunda etapa, o time vendia a idéia de que o jogo estava liquidado e isso se mostrou um ledo engano. De toda forma, o time foi superior em campo - ainda que isso seja discutível, pois muitos defendem que a superioridade se comprova pelos números e, de fato, fomos vacilantes nas conclusões. O jogo contra o Santos foi diferente. O Fluminense entrou ardiloso, matreiro e disposto a enfrentar a verdadeira avalanche que foi o ataque do Santos em praticamente toda a partida. A surpresa que Muricy preparou, entrando com três zagueiros, de certa forma controlou o ótimo ataque santista. Não foi o Fluminense da quinta, atacando obsessivamente, mas sim um Fluminense controlado, defensivo sim, buscando as brechas para poder contra-atacar. Tudo poderia ser mais tranqüilo, não fosse a insistência do atual goleiro Tricolor em chutar todas as bolas para frente e para o alto, recurso que se mostrou inútil porque só municiava ainda mais a ligação do Santos entre meio de campo e ataque, afora inúmeras bolas na lateral gratuitas, o que aumentou nossa pressão arterial consideravelmente. Porém, a qualidade da nossa marcação prevaleceu, e mesmo levando um verdadeiro sufoco, conseguimos o empate sem gols na primeira etapa. Uma preocupação era Diguinho, já punido com cartão amarelo e fazendo sucessivas faltas. Encaixamos alguns contra-ataques e até poderíamos ter marcado, mas ficou clara a total supremacia do Santos em termos de volume de jogo. Conseguir um ponto na Vila de Pelé contra um time que certamente disputará as primeiras colocações – e, por isso, vai tirar muitos pontos dos outros concorrentes – já seria um excelente negócio. E o segundo tempo nos prometia ainda mais, pela disposição do nosso time em campo, bem distante das merecidas vaias contra o Prudente. Uma diferença na escalação iria nos proporcionar o grande momento do jogo de ontem: na quinta, Alan começou e Rodriguinho entrou na segunda etapa; dessa vez, foi o contrário. E que presságio!

Voltamos mais dinâmicos, mais ofensivos, sem descuidos na marcação, que foi adiantada. O Santos se manteve perto da nossa área e criou novas chances, mas nós também atacávamos, mais do que no primeiro tempo, e isso trouxe um maior equilíbrio ao jogo. E Alan entrou no lugar de Rodriguinho, a substituição inversa do jogo anterior. Ganhamos em condução de bola, movimentação na frente e, principalmente, finalização – Alan é, sem sombra de dúvidas, o melhor finalizador revelado nas Laranjeiras nos últimos tempos. Assim, um olho no peixe e outro no gato. O Santos sentiu que não seria fácil conquistar a vitória, mas não poderia se contentar com o empate em casa, o que lhe fez atacar ainda mais e, diferentemente do outro tempo, deixar espaços vazios na defesa, que é o ponto menos luminoso da equipe. Conca fez uma linda jogada de calcanhar, Carlinhos chutou forte e o goleiro Rafael mandou para escanteio. O Fluminense virou tocha: pegou fogo e mostrou ser um time temível fora do Maracanã. A vitória poderia vir para qualquer um dos dois. A Vila Belmiro veio abaixo quando nosso travessão tremeu e quase tudo ficou perdido.

Mas o Fluminense tem Mariano, o Rei Zulu da nossa lateral, que vinha jogando com muita raça e tentando vários passes de qualidade. Ele driblou ninguém menos que o cotadíssimo Paulo Henrique “Ganso”, chegou perto da linha de meio-campo e acertou um lançamento primoroso para a direita do ataque, vazia. Quem ali estava era Alan, que entrou na área e não perdoou: chute rasteiro na diagonal, canto direito do goleiro Rafael, que nada pôde fazer. E abrimos o placar a dez minutos do fim, contra o time que tem o melhor ataque do Brasil, repito. Nossa defesa não fica atrás: a segunda menos vazada do certame. Nessa disputa, vencemos.

Ainda houve tempo para o Santos perder um gol incrível, com Robinho praticamente embaixo do travessão. Ao contrário de quinta-feira, onde tudo parecia festa e terminou com gosto de decepção, ontem era o nosso dia e tudo deu certo. Um campeão precisa de muitas qualidades e, dentre elas, a sorte – que é imprescindível. Não foi uma mera vitória de sorte, contudo: vencemos porque temos um técnico diferenciado, que soube surpreender o adversário; vencemos porque fizemos uma boa exibição; vencemos, porque soubemos desta vez matar a partida no momento certo; e também vencemos porque, nos momentos cruciais contra um adversário dos mais fortes, as boas luzes nos sorriram – dentre elas, a da sorte.

Agora é outra quinta-feira. O Fluminense busca consolidar sua posição de postulante ao título ou à vaga na Copa Libertadores de 2011. De certo, teremos a empolgação de milhares de torcedores e um time de guerreiros em campo? A outra quinta já passou. Quem espera sempre alcança.


Paulo-Roberto Andel

Monday, July 05, 2010

QUINZE ANOS DEPOIS (26/06/2010)












Devia ser perto de quinze para as sete da noite. À minha esquerda, silenciosos como se estivessem cabisbaixos – o que não era possível na situação que descreverei – Dória e Gomão aparentavam tranqüilidade. O concreto do assento gelava como nunca. Perto de nós, poucos milhares de correligionários tomavam coragem para levantar e descer o acesso das arquibancadas, numa verdadeira procissão da derrota. Do outro lado do anel cinza, cinqüenta mil rubro-negros ou setenta, ou noventa mil, berravam pelo barulho de uma multidão no reveillon de Copacabana, comemorando com dez minutos de antecedência o que consideravam o título mais certo de toda a sua história – o centenário da Gávea, no campeonato carioca de 1995. Essa era a fotografia que pude tirar da memória, a última antes de um contra-ataque iniciado por uma defesa de nosso goleiro Wellerson, com os pés – a seguir, a bola na ponta-direita, dois cortes secos de Ailton (que, de longe, eu confundi com Ronald) e o chute no canto direito do goleiro Roger, aquele que se dizia perfeito. E o momento mais feliz que tive no futebol em toda a minha vida. O ápice que jamais será superado. O Fluminense é eterno e gigantesco; por isso, terá títulos e títulos a granel nas próximas décadas. Voltará à América e bisará o título mundial de 1952. Contudo, igual àquele ano incrível, com desfecho mais incrível ainda, quem viu, viu; quem não viu, pode tentar sentir um fiapo de cabelo do que foi aquilo revendo vídeos ou partilhando experiências com amigos mais velhos.

E como se deu aquela apoteose?

No segundo turno da fase final do campeonato carioca, estivemos nove pontos atrás; reduzimos a diferença no jogo final para apenas um. Tudo para o último jogo, conta o favorito campeão da imprensa, tendo o empate a seu favor. O primeiro tempo foi um massacre Tricolor como nunca se viu na história: dois a zero deveriam ter sido pelo menos seis, debaixo de chuva feita pelo nosso futebol. O segundo tempo veio morno, até que um mau agouro sobrevoou o gramado: nosso Branco, velho de guerra, visivelmente desconfortável contra nossa camisa, acertou um balaço no travessão de Wellerson; isso despertou a Gávea e, logo depois, Romário marcaria seu primeiro gol como profissional contra o Fluminense. Ainda muito breve, Fabinho, que nunca tinha chutado bola na vida nem perto da grande área, driblou na direita do ataque e empatou o jogo num belo arremate. Pronto. Tudo parecia perdido. Cinco meses de competição, dois outros Fla-Flus vencidos por nós com total autoridade nos turnos iniciais, nove pontos de vantagem quase recuperados, um primeiro tempo impecável e devastador. Tudo jogado fora? A Gávea empatou o jogo num intervalo de seis minutos, entre os 26 e os 32; a treze minutos do fim, portanto. A massa flamenga explodiu no Maracanã de um jeito como eu nunca tinha visto antes, até então com dezessete anos de freqüência regular no estádio, e nem voltei a ver depois. A nossa torcida, sempre valente e fiel, mas inferiorizada numericamente, achou demais aquele golpe: um jogo praticamente ganho entregue em dois lances isolados, seguidos, afora testemunhar um tri-vice-campeonato (fomos os segundos em 1993 e 1993). Era demais. Nove anos sem títulos. E muitos foram embora das arquibancadas de Mário Filho, o que eu mesmo só não fiz por dois motivos: o primeiro, porque já tinha sentido o péssimo gosto do vice nas temporadas anteriores; segundo, porque como testemunha do monumental gol de Assis em 1983, não poderia deixar de acreditar no que muitos consideravam um milagre. E então Wellerson defendeu a bola no canto direito com o pé, e então o Fluminense foi para o contra-ataque e marcou o gol mais difícil e esperado de toda a sua história, vencendo uma das maiores partidas de todos os tempos com apenas oito jogadores em campo.

Depois do maior gol de todos os tempos, que selaria a maior vitória de todos os tempos, o que lembro era da enorme e colossal torcida da Gávea em absoluto silêncio, enquanto nossas arquibancadas eram cheias de gente chorando, ajoelhada, incrédula, estupefata. Tudo inédito para mim. Lembrei dos meus amigos botafoguenses do passado, que acompanhei várias vezes ao estádio para, na torcida alvinegra, ver fatos semelhantes. Nunca a torcida do Fluminense comemorou um gol daquele jeito. Não houve uma explosão, mas sim uma implosão. Ali, não éramos torcedores ensandecidos perto de testemunhar um dos maiores feitos da centenária história do nosso time, mas sim integrantes de uma procissão divina. E aqueles cinco minutos finais, com os descontos, duraram um ano-luz na escuridão. Antes disso, Gomão continuou impassível, tranqüilo, e Dória teve um espasmo contra a torcida flamenga. Assim como os mortos ressurgiram de suas tumbas para um grande Fla-Flu, nossos milhares de torcedores que deram a causa como perdida invadiram a nossa arquibancada de volta, o que feriu a Gávea de morte: setenta mil pessoas mergulhadas em silêncio e torpor esplêndidos, mesmo com seu time tendo dois jogadores a mais em campo. E os nossos adentrando e colorindo o cinza do concreto.

Quando Leo Feldman apitou o final do jogo, experimentei a sensação diferente de ver o Fluminense ser campeão depois de uma longa temporada, fato que nunca havia me acontecido. Muita alegria, mas também muito choro, não de tristeza, sim de emoção à flor da pele. Talvez não tivéssemos a exata noção da grandeza daquele momento épico e único: uma das maiores vitórias no maior estádio do mundo que abriga o melhor futebol do mundo. Lembro de, mais tarde, ter ido às Laranjeiras, onde Pierri Carvalho chorava ao falar do título; um pedacinho da grama está até hoje numa velha carteira que tenho em casa. No dia seguinte, abraçar minha linda amiga Luciene na faculdade, tão Tricolor, teve sabor de delicia dupla.

Quinze anos depois, o Fluminense teve grandes e maravilhosos momentos, assim como outros bastante tristes, mas já superados. Foram momentos. Vinte e cinco de junho não foi um momento. Não passou. Não passará jamais. Ainda hoje em certos jogos, quando chego mais cedo ao Maracanã, gosto de ir nas arquibancadas verdes do lado direito para ficar perto do que foi meu local naquele dia inesquecível. E revejo o lance, o corte e o gol. Niguém tirará esta imagem de mim durate o resto de minha vida.

Cheguei até esta linha e ainda não falei de Renato. Nem seria necessário. Todos sabem o que foi a passagem de Renato pelo Fluminense naquele ano. Chegou desacreditado, vetado por vários outros times cariocas; o Fluminense era sua última ficha. O campeonato estava badaladíssimo pela presença de Romário, então o melhor jogador do mundo; ao Fluminense, a imprensa, com exceção de Washington Rodrigues, reservava o papel de bobo da corte, de mero coadjuvante. Mergulharam no mar vermelho da ignorância. E Renato não foi apenas o autor de um dos gols mais importantes da história do Maracanã; não foi apenas o melhor jogador do campeonato. Renato É a própria taça de campeão carioca de 1995 em forma de carne, camisa e alma.

Quando vejo uma faixa jocosa da Gávea nos Fla-Flus recentes, acho graça. Quem debocha dos versos de nosso hino, “Quem espera sempre alcança”, está condenado ao maior dos fracassos – e certamente sem a elegância dos milhares de outros rubro-negros que, de pé, aplaudiram a monumental volta olímpica do Fluminense naquele nada distante vinte e cinco de junho, que foi, é e será um dos maiores dias de toda a nossa eterna história. Todas aquelas imagens eu carrego em mim como se fosse agora, há coisa de cinco minutos. Um choro de alegria. O melhor dia de torcedor de toda a minha vida.


Paulo-Roberto Andel