Friday, April 27, 2007

Os clássicos são eternos

O jogo entre Botafogo e Vasco, realizado na noite de ontem no Maracanã, provavelmente foi o mais emocionante do ano até agora. E pode ter sido também o mais emocionante desde muito tempo atrás – o primeiro tempo, com certeza, foi o melhor em mais de uma década. O horário tardio imposto pela transmissora e mais a transmissão aberta trouxeram menos púbico do que a partida pedia. De toda forma, clássico eterno!

Emoção que começou antes do jogo. Romário estava prestes a marcar o milésimo tento, mais uma vez, após fracassadas tentativas e ausência de jogos fora do Maracanã. Alguns botafoguenses desesperados temiam o rol das coisas que só acontecem ao Alvinegro.

E o começo foi de arrasar. Com falhas de goleiro Júlio César e do volante Túlio, em três minutos o Vasco já tinha aberto dois a zero, com gols de Renato e Abedi. Temia-se por uma goleada histórica em General Severiano. E, com esse retrospecto fulminante, seria o esperado.

Há coisas que só acontecem ao Botafogo.

Um minuto depois da segunda festa vascaína, o Botafogo eletrizou ainda mais o jogo, em súbita cabeçada de Luciano Almeida, após cruzamento de Lúcio Flávio pela direita. Em diante, a partida mais rápida e disputada do campeonato, com ataques e contra-ataques eletrizantes, até que aos vinte e um minutos, em ritmo frenético, o Botafogo chegou ao empate: houve um cruzamento rápido de Luciano Almeida, e Zé Roberto finalizou violentamente, de primeira. O silêncio vascaíno foi reflexo do que então aconteceu: ali, o jogo estava na mão dos alvinegros, e tudo indicaria que a virada seria questão de momento. Impunha-se mesmo diante de um Vasco vigoroso, raçudo e que tinha aberto dois gols em tempo recorde num clássico.

Gols de um lado e de outro, mas sentia-se no ar que a respiração diferente em todo o estádio acontecia quando Romário aproximava-se da bola. Isso aconteceu aos trinta e três minutos: Jorge Luiz, invertido, foi a fundo para o cruzamento pela direita -a bola encobriu Júlio César e entrou no ângulo direito. Romário vinha com tudo e chegou a três centímetros da bola, se muito. O Vasco, que tinha passado a ser dominado, avançou novamente no placar.

Há coisas que só acontecem ao Botafogo, mesmo que por pouco tempo.

Três minutos. Novamente, depois de mortalmente golpeado, o Botafogo saiu das cinzas aos céus. Mais uma vez, mais uma grande jogada de Lúcio Flávio, cruzando da direita, e Dodô cabeceou inapelavelmente contra as redes de Cássio. Alívio na esquerda das tribunas, mal estar na direita e, de certa forma, uma saudável sensação de justiça. O Botafogo estava muito melhor, muito mais firme e objetivo.

Os vascaínos sabiam disso. Perceberam que a vantagem inicial e o terceiro gol foram frutos da velha camisa, da força, e não de uma atuação soberba, embora com muita raça e velocidade. Não o suficiente para brecar a fúria alvinegra. A um minuto do fim, ele, decisivo, Lúcio Flávio, cobrou falta na frente da área. A bola quicou e entrou no canto esquerdo de Cássio, que falhou no lance. Pela primeira vez no incrível jogo, o Botafogo saltava no marcador e superava os vascaínos. E terminou o primeiro tempo de um jogo incessante, capaz de tirar o fôlego de qualquer um.

Veio o segundo tempo, incendiário com a falta que Guilherme acertou no travessão botafoguense. Depois, um momento de tensão; com a confusão do árbitro Calábria, Túlio foi expulso e o jogo, paralisado. A vantagem de um jogador para o Vasco foi temporária. Em paralelo, as modificações: Cuca, o treinador Alexis Stival, como anuncia o velho placar de lâmpadas, tirou Lúcio Flávio e colocou Diguinho, para aumentar a marcação e compensar Túlio. A famosa lei das compensações tirou André Dias dos cruzmaltinos, que tinha entrado justamente para aumentar a velocidade do time, no lugar de Júlio Santos, aos dezessete minutos. A partir de então, jogo franco, com velocidade forte embora não a mesma do alucinante primeiro tempo. Mais chances para o Botafogo: um pênalti em cima de Dodô não foi marcado,uma excelente jogada de Jorge Henrique para o desarme de Dudar.

Quando a vitória se aproximava e a superioridade alvinegra era inquestionável, a menos de dez minutos do fim, Alan Kardec subiu sozinho para cabecear a bola advinda de cruzamento da esquerda, e fuzilou o ângulo direito de Júlio César. Era o empate em quatro tentos. Seria um gol espírita?

Alan Kardec. Há coisas que só acontecem ao Botafogo.

Inimaginável um jogo com oito gols e nenhum de Romário. Fato quase inédito em sua carreira.
Jogo encerrado, tudo entregue à magia dos pênaltis. Melhor dizendo, tiros livres diretos cobrados da marca penal. Drama para depois da meia noite.

Em tese, e apenas tese, em geral quem empata o jogo vai para os pênaltis com certa, digamos, força na hora de cobrar. O time que tinha a vitória nas mãos geralmente sofre certo abatimento. Dessa vez, tudo mudou.

Morais e Dudar, bons jogadores vascaínos, realizaram cobranças esdrúxulas. Uma, bem defendida por Júlio César; outra, longe da esquerda do gol. E o Alvinegro fechou a série com quatro gols contra um, conquistando o direito de decidir a Taça do Rio contra o vencedor da partida de hoje, envolvendo o Madureira e o Cabofriense. Uma vitória que varou madrugada.
Em futebol, tudo pode acontecer. Há lenha para ser queimada. Contudo, pelo visto, o Botafogo tem favoritismo para chegar à grande final do certame. Que o vencedor de hoje se cuide.

E o Flamengo também.

Há coisas que só acontecem ao Botafogo. Algumas, maravilhosas.
Paulo Roberto Andel, 13/04/2007

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