Thursday, November 04, 2010

INTER 0 X 0 FLUMINENSE (03/11/2010)



Uma noite de Paulo Victor (04/11/2010)

Que ninguém se iluda com o desdém dos jornais, meus caros amigos. Mais uma rodada do campeonato brasileiro se foi. Restam cinco jogos. E, tal como aconteceu em grande parte desta competição, o líder é o Fluminense. Falam de arrancadas gloriosas, de favoritos centenários, mas a verdade é que ninguém foi mais primeiro lugar neste campeonato do que o Fluminense. Um campeonato que não começou agora, mas no ano passado – todos viram o que aconteceu, todos sentiram o que é o peso da secular camisa Tricolor. Falam do empate de ontem como se fosse um mísero resultado, como se o adversário não fosse o campeão da Libertadores, completo, jogando em seu estádio e com sua numerosa torcida. Não bastasse todos estes argumentos, o Internacional ainda jogava suas últimas fichas numa vitória que lhe permitisse disputar o título brasileiro deste ano, com uma gana que nem parecia a de um time já escalado para as finais do título mundial em dezembro próximo. Empatamos. Conseguimos um valioso ponto fora de casa que nos garantiu a liderança; afinal, o favorito Cruzeiro sucumbiu em casa diante do favorito São Paulo. O favorito Corinthians goleou o não-favorito Avaí, mas o favoritismo está atrás da matemática por um ponto. O também favorito Botafogo venceu apertadamente em casa o Atlético Goianiense, mas o favoritismo esbarra na matemática por quatro pontos. Acho graça dos homens de imprensa não terem utilizado neste ano de 2010 a expressão “se o campeonato terminasse hoje...”; sentem um enorme desconforto ao verem as Laranjeiras no topo. Meus amigos, que eles respeitem quem inventou o futebol brasileiro como ele é, fato que só os bobos desconhecem. Só os bobos não sabem da importância para o futebol brasileiro e mundial. Só os bobos ignoram que a primeira conquista da seleção brasileira foi em nossa casa, ou que o primeiro gol brasileiro em copas do mundo foi de um Tricolor. Só os bobos não percebem que o Fluminense é o grande favorito ao título deste ano. Só os bobos acreditariam que o Internacional de Porto Alegre, com toda a sua grandeza, seria uma presa fácil ontem. Vejamos os momentos finais do campeonato: quem consegue sair invicto da Arena da Baixada e do Beira-Rio? Quem conseguiu superar com galhardia o rolo compressor do Grêmio no segundo turno? Quem pressionou o Botafogo em casa? Para todas estas perguntas, apenas uma resposta: Fluminense. Estamos sem quatro ou cinco titulares, dentre eles um artilheiro que disputou copa do mundo. Não é pouco. Aqueles que zombaram do Fluminense, comparando-o a um cavalo paraguaio, precisarão de muita cachaça legítima para esquecer a jornada Tricolor.

O empate teve sabor de nossa vitória. O Internacional, gigante, nos pressionou a todo momento. É um time rápido, com vários jogadores de qualidade, entrosado, acostumado a conquistas e que tem como seu único ponto fraco o opaco treinador Roth. Era evidente que, podendo reduzir a diferença até a ponta da tabela para quatro pontos, os gaúchos foram um aríete contra a fortaleza da nossa defesa. Porém, Gum voltou a ser o velho Gum na noite de ontem: implacável e em tempo real na marcação. Euzébio manteve a trajetória de boas atuações. Mariano era a tradicional raça pura. Curiosamente, destoava o defensor com melhores recursos técnicos: Carlinhos. Por algumas vezes, o maestro Conca nos levava ao semi-ataque; Tartá, que marca sua carreira com alternância de qualidade, não repetiu os ótimos momentos do jogo contra o Atlético na Arena. E Washington, por mais que a nossa piedosa torcida apóie, está cada vez mais difícil de aturar em campo. É o time que temos, é com ele que chegamos até aqui, é com ele que iremos até o fim.

Quando a partida acabou, nossa torcida organizada vibrou. Não somos pascácios: sabemos que um grande triunfo estava realizado no sul. Um ponto miraculoso, que veio do esforço de todo o time, a garra de Diguinho salvando um gol certo. Mesmo os que entraram, Rodriguinho e Valencia (Belletti só entrou a um minuto do fim) fizeram parte desta entrega d’alma à camisa das Laranjeiras. A derrota do Cruzeiro ajudou, sem dúvida, mas se o Fluminense ontem se manteve – MERECIDAMENTE – líder do campeonato brasileiro, deve tudo a um único nome (sem detrimento dos demais): Ricardo Berna. Pouco afeito a vôos acrobáticos e pernósticos, sempre bem posicionado, sóbrio, alternado reposições de bola rápidas e mais lentas conforme a necessidade, dotado de personalidade nas saídas de gol e até mesmo fazendo algo raro em suas passagens anteriores como titular: vibrando nos lances. Berna fez uma partida perfeita. Recuou o braço ao ver Diguinho atrás de si na cabeçada de Alecsandro logo no começo da partida. Estava firma no lance quando a bola bateu na trave esquerda, ao fim do primeiro tempo. Espalmou chutes fortes de Sóbis e Giuliano. Socou com eficiência os cruzamentos na área que enfrentou. Defendeu de primeira outros chutes que muitos goleiros insistem em rebater – alguns, pior ainda, com o pé. Fechou o gol na primeira etapa e foi apenas excelente no segundo tempo: basta lembrar a defesa perfeita na cobrança de falta de Andrezinho, praticamente um pênalti, fechando a partida. O jogo poderia durar mais cinco ou onze horas: estava claro para todos que Berna não iria sofrer gols ontem à noite. Agarrou tudo; o que não pegou simplesmente não foi chutado. O time está de parabéns pela raça, mas é fato que todo time precisa começar por um grande goleiro – e foi o que aconteceu ontem. Quero lembrar que não é a primeira vez que isso acontece. Quando o Fluminense bateu à porta do descenso em 2006, viram que era impossível se salvar com um beque-equipe sem usar as mãos para fazer defesas. Berna entrou num navio à deriva e ajudou a salvá-lo: o Fluminense não caiu. Em 2007, fazia uma jornada regular quando foi barrado por decreto. Manteve sua postura, continuou treinando, teve uma nova chance ano passado, mais uma vez entrando como titular num time em frangalhos. Sofremos duas goleadas merecidas para Santos e Goiás, ele pagou novamente o pato. Agora, devido ao mau momento de Rafael – que foi muito importante na brilhante arrancada do ano passado – voltou ao gol do Fluminense. Pela primeira vez desde que chegou às Laranjeiras, é titular num time de grande qualidade. Percebam que, desde que foi efetivado, o time não perdeu mais.

Cada jogador tem as suas qualidades, as suas características e seria cruel fazer comparações com nosso passado de glórias. Mas a trajetória de Berna, que está no Fluminense há anos, faz pensar na de um jovem goleiro que foi contratado ao Rio Branco de Vitória nos anos oitenta, bem no começo. Era reserva e tinha poucas chances contra o titular Paulo Goulart, campeão de 1980 e pegador de pênaltis – num deles, antevendo o que ia desgraçar a nação em 1986. Um dia, Paulo Goulart saiu e o novo goleiro começou a jogar, sem grande alarde, sem holofotes. Três anos depois, já era um dos maiores arqueiros da monumental galeria de grandes goleiros do Fluminense. Paulo Victor Barbosa de Carvalho. Ricardo Berna é Ricardo Berna, com suas qualidades e defeitos. Já mostrou que, em horas de absoluta gravidade, era capaz de servir bem ao Fluminense. Ontem, meus amigos, Berna me fez pensar em Paulo Goulart pegando pênaltis em 1980, e também em Wellerson defendendo com os pés (mas com talento) o chute de Rodrigo Mendes que poderia ter decidido a maior final de todos os tempos. Em Kleber com grandes defesas em 2005. Mas o que pensei mesmo foi ele ter tido uma noite de Paulo Victor, o que soa como o maior dos elogios: sinônimo de maestria debaixo das três traves. E, com essa grande noite de Berna, o Fluminense continua invicto, líder e a cinco jogos de conseguir mais um feito inigualável no futebol brasileiro.

Só os bobos se esquecem do ano passado; só os bobos não percebem o que está acontecendo agora. A velha camisa sua sangue em seu grená.

O inferno de 2009 sugere um céu de brigadeiro daqui a um mês - e não é com azul celeste de Minas.


Paulo-Roberto Andel

1 comment:

Alexsandro Jr said...

este jogo foi muito bom o Ricardo Berna fechou o gol