Thursday, March 17, 2011

FLAMENGO 0 X 0 FLUMINENSE (13/03/2011)

O desafio (14/03/2011)

Os ouvidos mais atentos já desconfiavam de que algo desafinava nas Laranjeiras, desde os maus momentos na Libertadores e, mais recentemente, na terrível perda da Guanabara diante dos penais contra o Boavista. Não era de ontem, anteontem e muito mais tempo. O céu de Álvaro Chaves tinha nuvens espessas, contrariando os dias de verão interminável no Rio de Janeiro. Vejam a seqüência passada: fizemos um bom jogo, de igual para igual na cidade do México e perdemos num momento de falha individual, já decorridos dois terços da partida; a seguir, no sábado cinza de Carnaval, colocamos nosso bloco na rua diante do bom time do Resende, que nos impôs forte pressão ofensiva em boa parte do tempo, mas soubemos segurar a vitória e contar com a aguardada estréia real do veterano Araújo, jogando bem e sendo decisivo. A quarta-feira de Cinzas trouxe à nossa frente o velho e destemido América, velho e perigoso, mas soubemos nos impor e vencemos com relativa tranquilidade e, mais do que vencer, razoavelmente convencer: o Fluminense melhorou na marcação e nos ataques, Conca começou a mostrar que se recupera da cirurgia e caminha para voltar à grande forma de 2011. Depois de uma derrota fora de casa que poderia ter sido evitada, tudo levava a crer que o Fluminense voltaria ao caminho das vitórias e do bom futebol. Nenhum jogo poderia ser mais impactante do que um Fla-Flu para mostrar a realidade desta reação: a Gávea, eternamente decantada como a grande favorita, voando pelos trilhos com seu bonde sem freio, poderia nos ajudar a decifrar qual seria nosso verdadeiro momento. Não chegamos a fazer o papel de poste, mas emperramos os trilhos e, por pouco, o bonde não chegou à lona pela primeira vez em 2011. De todos os jogos que citei, unanimidade houve apenas uma: a sensacional fase de Ricardo Berna, fechando o gol em todos estes confrontos e mostrando que sua barração era um equívoco. Porém amigos, a neblina era bem mais espessa do que se poderia supor; findo o jogo, os rumores que já corriam os noticiários desde a semana passada se confirmaram e, por conta disso, Muricy não é mais o treinador do Tricolor. O que prometia ser um presente e futuro brilhantes a contar de dezembro passado virou fumaça, provocada por um ou mais fatores dentro do incendiário cenário do Fluminense e, sem que saibamos os reais motivos (ao menos desconfiamos), o melhor técnico do futebol brasileiro deixou as Laranjeiras. E é por conta disso que este Fla-Flu será lembrado, ainda que tenha sido um jogo disputado com galhardia pelas duas equipes.


Desconfiada e sabedora de que o mau presságio se aproximara, a torcida do Fluminense teve presença tímida no Engenhão em relação ao seu potencial. Contudo, deixo claro meu seguinte ponto de vista: que não falem da ridícula bilheteria na vitória contra o Resende! Um jogo que terminava quase às nove da noite do sábado de carnaval, com um time desfalcado, com ingressos caros e um time às portas da crise não faria nenhuma torcida do mundo, mais-querida ou não, encher qualquer estádio. Mostramos nossa força na quarta de cinzas: os quatro mil maníacos não falharam. E ontem, bem sabemos, a imprensa esconde uma informação fundamental: a de que um mínimo grupo de torcedores do Flamengo, insignificante diante de sua gigantesca torcida, mas suficiente para provocar enorme confusão e prática de atos violentos nas imediações dos estádios, afugenta muitas famílias e casais Tricolores – tudo, claro, somado ao exótico horário imposto pela televisão e os ingressos muito caros compõem arquibancadas ociosas. Diante de tantos aspectos extra-campo que precisam ser reavaliados pela dirigência do Fluminense, a questão dos ingressos é uma evidência: não se faz um grande time para arquibancadas vazias, tampouco com uma duvidosa elitização da platéia. Talvez dê certo em Londres, Roma ou Paris, mas não no Rio de Janeiro, mesmo no Brasil.


Enquanto o Fla-Flu mostrava turbinas ligadas em campo, com os rubro-negros dominando o primeiro tempo e nós o segundo, com excelentes participações dos goleiros - e, reitero, mais uma grande atuação de Berna - mais o curioso contraste de ver Emerson e Neves lutando contra as camisas que os consagraram, chamava atenção o silêncio de Muricy nas poucas vezes que esteve à beira do gramado. Estava tudo decidido desde antes, bem antes: ali era sua última atuação como técnico do Fluminense. Na outra área, Wanderlei vibrava como nunca ao comandar o time de seu coração; não é que o profissional do futebol tenha que torcer para o time onde joga ou trabalha fora de campo, mas é inegável que num ambiente que se respira paixão, certos detalhes fazem a diferença. Os minutos passavam, repórteres cogitavam, os bem-informados dissimulavam. Num certo momento, o Fla-Flu perdeu parte de sua centenária magia para um disse-me-disse que chamou a atenção até dos flamengos. Alguma coisa estava errada, mas não propriamente neste jogo que, por injustiça, passou com as redes em branco; era algo de longe, muito mais longe do que talvez ainda possamos imaginar. Não me aterei a comentar a catastrófica entrevista da dirigência Tricolor pós-jogo, ou mesmo a demissão de Antunes às vésperas de jogo tão importante (já estava há tempos, era apenas questão de escolher o momento, mas optaram pelo pior possível); apostar que tudo não passava de coisa recente seria de uma ingenuidade que não podemos mais desfrutar. Também não comentarei a saída de Muricy, sem entrevistas, em silêncio, pelos fundos do Engenhão. Todos estes fatos são claramente adversários de tudo o que a nossa torcida almeja e merece.


O Fla-Flu terminou sem gols. Paramos os campeões da Guanabara. Contudo, o que deveria ser recuperação se transformou numa derrota fragorosa: o dia em que o Fluminense foi goleado por cartolagens. Não tenho como falar de grandes lances, jogadas apoteóticas, o pulsar interminável das torcidas. Empatamos, mas fomos derrotados por nós mesmos, pelos nossos. À nossa frente, o caminho de sempre, um interminável desafio. Debaixo de uma crise criada por nossa própria cúpula, sem o treinador, partimos para mais uma daquelas façanhas que só os Tricolores – sem unanimidade – são capazes de acreditar. O que nos leva à frente não é o presente, mas o passado dessa majestosa camisa que, quanto mais agredida e vilipendiada é, mais força mostra diante das intempéries. Eu já vivi isso muitas vezes: o Tricolor não é um alienado que vive num mundo onde tudo é vitória e conquista. Mas temos um vasto repertório de quebrar o braço do suposto impossível. O Fluminense é muito maior do que interesses monetários, desmandos e picuinhas. Nossa camisa há de louvar isso.

Paulo-Roberto Andel

No comments: