Thursday, September 23, 2010

FLAMENGO 3 X 3 FLUMINENSE - 19/09/2010


Emoções, fantasias e realidades (20/09/2010)

Qualquer cronista escreverá cento e cinqüenta mil vezes que o Fla-Flu é eterno; foi assim que o gênio de Nelson Rodrigues nos ensinou. Ainda que raramente, quando é mal-jogado, o Fla-Flu tem duas camisas centenárias em campo e são elas que verdadeiramente jogam: o perna-de-pau vira craque, o craque bem-marcado pouco produz ou destrói o jogo, o frangueiro defende bem, o artilheiro perde pênalti. De tudo o que vi, ouvi e vivi ontem, poucos foram tão precisos na análise do jogo como Muricy Ramalho: “O jogo foi ótimo, o resultado é que foi péssimo”. Sem dúvida. Perdemos a liderança para o Parque São Jorge e não conseguimos vencer de novo, o que foi a parte ruim. A boa? Mostramos um espírito de luta no segundo tempo digno dos melhores momentos do fim do ano passado, quando nossa campanha de G4 nos salvou de um descenso já protocolado pelos jornais – e empatamos um jogo perdido duas vezes. O Fluminense não se abateu, o Fluminense não se entregou e a expectativa que deixou aos seus milhões de apaixonados torcedores é que, mais dia, menos dia, poderá estar de volta ao primeiro lugar do campeonato - preferencialmente, na hora em que realmente valer a disputa do título. Talvez o empate de ontem tenha sido mais gratificante do que outras vitórias que tivemos durante a competição, e serviu de alento para os próximos – e difíceis – jogos, onde aí temos que vencer de toda maneira. Ao contrário dos que debochavam, o torcedor lúcido sabe que o Fluminense não está morto. E nunca é demais lembrar: ainda falta a volta de Fred, Emerson, a melhor forma de Deco, Diguinho... ainda temos muita lenha para queimar. No cerrar das contas, o Fla-Flu foi digno, emocionante, bem-disputado e até surpreendente tendo em vista as escalações dos dois times. Um jogo brilhante – apesar de falhas dos dois lados - para inaugurar a era do centenário clássico no Engenhão para menos de vinte mil torcedores, o que se espera melhorar futuramente.

Os primeiros minutos foram animadores. O Fluminense parecia mostrar o futebol vigoroso de antes da má-fase, com absoluta pressão no campo rubro-negro e muita velocidade. O marcador logo foi aberto, após a cabeçada de Leandro Euzébio na jogada ensaiada oriunda da cobrança de escanteio de Conca. Foram dez minutos de grande força, capazes de mostrar que nossa briga pelo título não é uma falácia. Mas o gol nos levou ao erro, paradoxalmente: a partir de então, mesmo tendo dominado o jogo até ali, o Fluminense resolveu recuar para tentar contra-ataques. E, seja com qual time for, seja em que fase for, dar espaço para a Gávea é sucumbir. Mais outros dez minutos com predominância deles e nós é que sofremos o gol de empate. Houve a infelicidade completa de Gum, perdendo uma bola absolutamente sua na linha de fundo e permitindo a Kleberson o cruzamento; Deivid, livre, agradeceu o presente e fuzilou Rafael sem perdão no canto direito, fazendo seu primeiro gol com a camisa deles e nos oferecendo um mal-estar escabroso. O que poderia ser o início de uma vitória alvissareira tomou o gosto do mau presságio. Antes do fim do primeiro tempo, a virada da Gávea, num escanteio de Renato que David, o zagueiro, tocou para o gol vazio depois que a bola passou por Rafael. Aliás, não me furtaria ao tema sobre o novo goleiro Tricolor: alguns da imprensa alegaram “frango” nesta jogada; sinceramente, nada me tira da cabeça que há algum favorecimento explícito do ex-titular da posição aos que vivem do futebol comentado e escrito. Se tomar “frangos” fosse impedimento para se jogar no gol do Fluminense, o Perseguido já teria sido banido há cem séculos. Bendita seja a fratura no dedo.

O intervalo veio e, com ele, a desconfiança. Sabedores da vitória corinthiana na véspera, contra o Prudente, só o triunfo do Fluminense poderia reequilibrar a dianteira da tabela. André Luiz saiu para a entrada de Marquinho, que assim reeditava a boa parceria de revezamento com Carlinhos na ala esquerda. O fato é que o Fluminense foi um time que começou bem o primeiro tempo, fez seu gol e depois caiu de produção a ponto de levar a virada ainda mesmo nos quarenta e cinco minutos; na volta para o segundo tempo, renasceu o time de guerreiros, com uma garra implacável que pode ser bem representada nos semblantes de Mariano, o incansável, e Diogo, que divide qualquer bola em qualquer espaço de tempo. Não são os dois jogadores mais técnicos do time? Evidentemente, não. Mas quem disse que um time campeão só é construído com técnica? A garra estampada dos dois fez renascer o Fluminense de luta, que não se entrega até o último minuto, e esta foi a tônica deste Fla-Flu. Relembrem o golaço de Rodriguinho: o corte seco pela direta, a finalização empolgante no ângulo esquerdo de Lomba, a vibração. Dessa vez, era o nosso dia de ai-jesus, que tão bem adorna o hino deles. Mal nos refizemos da comemoração e do certo alívio, a Gávea marcou outra vez numa bomba de Renato em cobrança de falta no ângulo direito de Rafael. Três a dois, o placar emblemático de nossa história, desta vez contra nós, mas por pouco tempo. Parecia que estava escrito; não seria desta vez que iríamos sucumbir.

Diferente do habitual, Marquinho se posicionou para cobrar um escanteio pela esquerda do ataque. A Gávea vibrava com suas bandeiras e gritos atrás do gol. A cobrança não foi das mais sofisticadas, houve um bate-rebate que, claro, passou pela canela de Washington; contudo, eram cartas marcadas e Rodriguinho fuzilou Lomba outra vez, decretando o que seria o definitivo empate em três tentos e conseguindo um recorde pessoal curioso: desde que chegou ao Fluminense, ele fez também três gols – todos contra o Flamengo. Alguns devem ter lembrado de nossos gols do passado, todos no último grão de areia da ampulheta. Ninguém derrota o Tricolor antes da hora. Tudo bem que houve oportunidades. Eles perderam uma grande chance quando Rafael, que joga regularmente com as mãos, fez uma defesa com o pé e impediu novo tento de Deivid. Mas a derradeira chance de gol foi nossa: o último grão raspou a trave, num chute de Marquinho.

Sem dúvida, o resultado não foi bom porque afastou o Fluminense da liderança. Porém, o mais importante que tínhamos a resgatar foi visto no segundo tempo de ontem: o time de guerreiros com raça, com ímpeto, que não desiste. Há tempos, mesmo boas vitórias que tivemos, contra o Ceará, não contaram com a raça do Tricolor em campo. O Fla-Flu de ontem mostrou essa característica vital e sempre presente em nossos triunfos. Estamos mais distantes do Corinthians, eu sei, mas não tenho como esquecer e sempre repetirei: em 1995, tiramos oito dos nove pontos de diferença que o grande campeão da imprensa tinha sobre nós. Tudo ficou para o ultimo momento. E no último grão da ampulheta o Fluminense ganhou o maior campeonato de todos os tempos. Há um longo caminho à frente, mas, se prevalecer no resto de nossa campanha a garra do segundo tempo de ontem, não temo afirmar: o Fluminense passará como um trem-bala por cima de quem lhe enfrente. Não é um devaneio de um mitômano, mas sim a desconfiança de quem já viu e viveu uma longa história de superações.


Paulo-Roberto Andel

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