Tuesday, February 08, 2011

FLUMINENSE 2 X 3 BOTAFOGO (06/02/2011)



O time da virada (07/02/2011)

Um jogo entre duas grandes equipes não se torna um clássico à toa. Quando se trata de Fluminense e Botafogo, são cento e cinco anos de luta, tradição, títulos e uma história fantástica. Não poderia ter sido diferente ontem, no Engenhão: cinco gols, bolas na trave, duas viradas, pênaltis, disputas, disposição e uma tresloucada arbitragem como a cereja do bolo. General Severiano mereceu vencer, independentemente do verdadeiro desastre bancado pelo senhor Gutemberg: correu mais, aplicou-se mais, teve as melhores chances e, principalmente, soube explorar certas fragilidades nossas que já eram visíveis noutras partidas, mas que foram minimizadas por nossos talentos individuais. Sem qualquer desrespeito aos outros times competidores da Guanabara, uma coisa é reagir contra Olaria e Caxias; outra, contra o Botafogo. Na verdade, deixei o Olímpico ontem mais preocupado com o que nos espera depois de amanhã do que com a derrota em si. Ela veio quando era possível perder sem acontecer uma pane. Claro que seria menos tenso enfrentar o segundo time do outro grupo, em vez da Gávea, nas semifinais da Guanabara; porém, quem tem a sede do título não pode escolher adversários. É o que teremos pela frente, é como tem sido desde sempre. O favoritismo não é nossa pele.

Muito já foi dito sobre o que aconteceu em campo ontem, principalmente sobre a pavorosa arbitragem, sobre a qual falarei resumidamente mais à frente. Talvez não valha a pena enfatizar isso: foi de uma tal obviedade que ignorar as sandices do senhor Gutemberg beira à indulgência mental. Prefiro dizer nesta crônica sobre outras coisas. A lentidão do Fluminense em boa parte do jogo, ponto. É claro que, mais uma vez, o calor foi algoz de jogadores, torcedores e qualquer um que tenha tido a coragem de enfrentar os quarenta graus do Engenhão. Mas estamos em começo de temporada e, em algumas vezes, o que para alguns significa dosagem do ritmo de jogo feita pelo time do Fluminense, às vezes me parece precariedade física mesmo. Temos um dos grandes preparadores do país, Ronaldo Torres, e isso foi visível no grande Tricampeonato de 2010 e na salvação de 2009; entretanto, algo que me chama a atenção é que nosso time visivelmente tem uma média de idade maior do que a das temporadas mais recentes. Jovens como Alan e Maicon ganharam substitutos como o veteraníssimo Araújo – neste caso apenas apontando um exemplo. A raça implacável e a interminável força física de Mariano ainda não entraram em campo. Nossa defesa, titubeante, tem tomado muitos gols – Gum jogou bem boa parte do primeiro tempo, mas não teve sucesso no segundo. André Luis, que substituiu Euzébio, também não entrou bem. Carlinhos, salvo alguns bons chutes na fase final, parecia esgotado em campo desde os primeiros minutos. E Cavalieri, atrasado e visivelmente sem ritmo de jogo, ainda não demonstrou as qualidades que o consagraram no Palmeiras, há anos; a substituição de Ricardo Berna me parece hoje um equívoco completo. Diz-se que o goleiro só consegue ritmo jogando, mas eu pergunto: essa é a hora de testes numa posição que estava tão bem-guarnecida? Pois bem: o suspiro de ai-jesus voltou à nossa torcida a cada chute de longe, como nos tempos do Perseguido; torço sinceramente para que Cavalieri consiga reverter este momento, senão isso poderá nos custar muito caro. Assim, para quem queria vencer um clássico, somente em termos defensivos já tínhamos somado erros demais. Nosso craque Conca foi muito bem-marcado e, ainda se recuperando de cirurgia, não desfilou todo o seu potencial. Fred também foi anulado pela defesa alvinegra; quando esteve com pequena liberdade, parecia fora da velocidade necessária. Definitivamente, não era nosso dia.

Não bastasse nosso rol de erros, o Botafogo mereceu vencer porque teve um jogador espetacular em campo, que foi Renato Cajá. Fez um belo gol de falta, ainda que contasse com o atraso de Cavalieri, e ainda chutou duas bolas espetaculares na trave – os três lances no ângulo direito. Mereceu vencer porque teve o jovem impetuoso Márcio Rosário sendo useiro e vezeiro em cima da nossa ala direita. Mereceu vencer porque soube acalmar os nervos depois das expulsões em campo: o obsessivo Valencia do nosso lado, Marcelo Mattos do deles. Desceu para o intervalo debaixo da virada que lhe impusemos: um belo gol de cabeça do reestreante Rafael “He-Man” Moura, com ótima atuação, fuzilando o ângulo direito após cobrança de escanteio, e outro dele mesmo, numa sinuca maluca dos tempos de José Cunha na TVE, num bate-rebate com Fred e a bola passando centímetros da linha defendida por Jefferson. E voltou para ganhar o jogo: foi um time mais veloz; ocupou melhor os espaços vazios deixados pelos dois times, com dez jogadores em campo; superou a humorística perda do pênalti cobrado por Loco Abreu e, dois minutos após, ainda teve para si a sorte, que se manifestou pelo homem de preto, criando uma nova penalidade que, desta vez, foi bem convertida pelo ídolo uruguaio. E foi aí, meus amigos, que o Botafogo venceu o clássico de ontem: quando empatou o jogo, o Fluminense já não tinha condições físicas e psicológicas de superar o grande adversário. A virada se tornara iminente e, numa falha de Carlinhos no ataque, o contragolpe alvinegro foi cruel: com a defesa completamente errada em posicionamento de linha, Herrera entrou liberto e bateu com facilidade o atrasado Cavalieri. Ainda tivemos alguns poucos chutes, muito bem-defendidos pelo espetacular Jefferson, goleiro de primeira linha no país, além de chuveirinhos inócuos que não acrescentaram nada ao panorama da partida. E o Glorioso triunfou, tirando nossa invencibilidade com competência. Vários dos enganos que cometemos ontem já eram visíveis nas partidas anteriores desta Guanabara: tendo um Fred ou um Souza inspirados, conseguimos reagir e virar jogos contra equipes mais modestas. Contra o Botafogo, a história naturalmente seria outra: pagamos por conta de nossos erros. A meu ver, Muricy também não foi feliz nas substituições: Souza não deveria ter saído (Mariano poderia ter sido o sacado), Araújo não mostrou condições de jogar ao menos um tempo com pleno vigor e Fernando Bob, que substituiu He-Man, não supriu a ausência de Diguinho – este um termômetro do bom sistema de marcação do Fluminense. Enfim, dentro da noite de reveses, ao menos o consolo de que a derrota não nos trouxe maiores complicações: estamos classificados e, provavelmente, enfrentaremos a poderosa e pré-favorita Gávea nas semifinais da Guanabara. Não há opções: vencer ou vencer. E esta mesma derrota pode nos servir de lição de humildade, de alerta para que Muricy perceba os problemas que estão evidentes aos olhos da nossa torcida; de atenção para o grande ano que nos espera, mas que precisamos saber realizá-lo: o recente exemplo da hecatombe corinthiana deveria nos oferecer serventia.

Precisamos retomar a pegada de 2010 para daqui a dois dias. A América nos espera. É hora de sanar os erros. Não será fácil vencer os Argentinos Juniors na quarta-feira que vem, numa noite pela qual temos esperado há dois anos e sete meses. A hora está chegando. Um olho no peixe e outro no gato: a Guanabara de um lado, a Libertadores de outro. Não há o que escolher: é uma luta nas duas frentes.

Termino esta crônica desejando ao senhor Gutemberg que tenha dor-de-barriga, espinhas no ouvido e nariz, unha encravada nos dois dedões dos pés e, se possível, algum furúnculo nesta semana. É o mínimo que posso lhe oferecer diante daquela marcação do segundo pênalti contra nós, que transitou entre o (mau) cômico circense, o psicodélico e o realismo fantástico – tudo isso sem contar a inversão de faltas, os atrasos na marcação, a intimidação que aceitou quando da (justa) expulsão de Valencia. Por pouco, sua desastrada atuação não manchou completamente um grande clássico e uma justa vitória do Botafogo – que, novamente reitero, mereceu o triunfo, mas foi bafejado pela sorte em ganhar um inacreditável pênalti grátis num momento decisivo da partida. No entanto, apenas termino esta crônica: Botafogo e Fluminense não encerram sua queda-de-braço nunca. A história segue, cada vez mais viva.


Paulo-Roberto Andel

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