Friday, March 09, 2007

O gigante da Guanabara

Cada brasileiro, vivo ou morto já foi Flamengo por um instante, por um dia. O Flamengo tornou-se uma força da natureza; o Flamengo venta, chove, troveja, relampeja. Assim disse certa vez Nelson Rodrigues, o maior cronista esportivo de todos os tempos.

Assim foi. O Flamengo, mesmo que efemeramente, foi, acima de tudo, Flamengo. Foi uma força da natureza, uma tempestade de raça e bom futebol e, por isso, tornou-se o campeão da Guanabara. O Flamengo que alia garra, técnica e humildade, junção que tem sido mais rara nos últimos anos; entretanto, quando ela acontece, é fogo – e não o de General Severiano. A camisa pode jogar sozinha; se não jogar, tem a paixão da massa incansável a gritar nas arquibancadas e gerais, com ou sem cadeiras. Berrar, berrar, berrar. O gramado acolhia a mistura de seis Rondinellis, dois Zicos, um Evaristo de Macedo e um Domingos da Guia, tudo durante o primeiro - e fabuloso - terço da primeira etapa do match.

Disse aqui em linhas passadas que não chegou a constituir surpresa o Madureira ter vencido a partida de domingo. É um time bem armado, dentro de suas limitações. Tinha até ontem a melhor campanha do certame, e tinha vencido a Gávea com autoridade por duas vezes na temporada. Eis a questão. Como vencer o gigante Flamengo três vezes em três semanas?

Mal o jogo começou, e o Flamengo se fez superior. Veio o gol de Souza, numa confusão na área, a cabeçada para o gol vazio e o zagueiro de Galvão tentando tirar a bola, sem sucesso. O Flamengo foi avassalador. Aconteceu um drama, como bem sabemos, que foi o empate dos amarelos logo em seguida, numa clamorosa falha de Claiton, peitando a bola para o meio d’área, e a conclusão rasteira do excelente zagueiro Léo Fortunato. Por dez segundos, o Maracanã silenciou e foi só. Dali em diante, Madureira chorou de dor.

A nova cabeçada de Souza, marcando vantagem, e a consolidação com Renato Augusto tocando para as redes, no ângulo, mostraram a força do Flamengo em quinze minutos de jogo. O Madureira, tão bem postado na competição, ficou atônito, feito um boxeur mais do que golpeado. Fortunato tinha sido apenas um bom jab com seu gol, nada mais.

Quero falar da maravilha que foi essa etapa de quinze minutos na partida, a mais eletrizante dentre muitos e muitos jogos, de muitos em muitos anos. O Madureira, mesmo ferido mortalmente, teve coragem e manteve-se de pé, na briga. Mas não havia o que fazer. Tirando a já citada - e infeliz – jogada de Claiton, o Flamengo foi perfeito, absoluto, implacável. Jogasse assim todas as partidas e ratificaria as palavras de Nelson a todo instante.

Quando passou o terremoto de gols e ataques, o Madureira fez substituições para evitar um desastre maior, mas pode-se dizer que a taça já tinha dono, sem petulância. E o jogo seguiu morno, banho-maria, até o fim do primeiro tempo. A Gávea ainda poderia ter feito o quarto gol, mas Renato desperdiçou.
O segundo tempo continuou morno, como os dois terços finais do primeiro. O jogo já estava decidido, a Guanabara já tinha seu campeão. As arquibancadas vemelhas e pretas, todas cobertas, davam o tom da festa, que ainda teve sua cereja de bolo a dez minutos do fim, com o pênalti convertido por Renato - infração registrada justamente sobre Claiton, que tinha sido o autor da pior jogada dos flamengos durante a partida.
A cidade foi tomada por festa, ruas cheias e sorrisos. Existe um campeão. Sabemos estar este time distante dos gigantescos esquadrões da história do Flamengo. Mas os quinze minutos iniciais do jogo de ontem fizeram com que muitos, emocionados, lembrassem-se de times idos, maravilhosos, que construíram as melhores páginas do clube de regatas que, hoje, é sinônimo de futebol.
Ressalto a absoluta galhardia dos de Madureira. Foram dignos, honestos, fizeram uma bela campanha. Que a derrota no jogo final não os faça esmorecer. Madureira chorou de dor? Sim. Mas amanhã há de ser outro dia. O campeonato recomeça. Domingo que vem já é hora da taça do Rio. E veremos quem será o grande oponente do rubro-negro, o gigante de ontem. Gigante da Guanabara.
Paulo Roberto Andel, 08/03/2007

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