Saturday, March 17, 2007

Rodada dupla

Maracanã sem águas de março, um calor diabólico e reforçado pelo horário das quatro da tarde. Antigamente, os jogos eram às cinco, mas a transmissão televisiva venceu, e ficamos igualados a São Paulo. Os mais antigos lembram de clássicos aos sábados, e às três da tarde. Eu compreendo, mas tenho bom argumento: no passado, a cidade era bem mais humana – e fresca, no sentido climático da palavra. Milhões de edifícios depois, falta de circulação de ar, efeito estufa e outras tantas mazela, eis o que nos espera por agora.

Tenho simpatia pela rodada dupla. Outrora, tínhamos as velhas e boas preliminares. Inicialmente, os aspirantes; tempos depois, os juniores. Eram as fontes de alimentação dos times. Hoje em dia, ninguém mais sabe dizer o nome do camisa dez do time de baixo – e ele, o dez, talvez nem chegue a vestir a camisa de cima. Então, nos tempos do Caixa, acabaram com as preliminares no Maracanã, mediante alegação de que dois jogos seguidos estragavam a grama. Alguém riu, muitos acreditaram. Ficou valendo. Chegar no Maracanã e sentir o vazio do silêncio tem seu charme, seu encanto, mas o bom mesmo é ter aquele jogo antes, com as provocações, os gritos, a festa. E a rodada dupla traz alguns benefícios. Um, que é o de melhorar um pouco as combalidas rendas, trazendo duas torcidas em vez de uma. Outro, porque mesmo não havendo um clássico, as torcidas se enfrentam – naturalmente, bom, quando não há violência. Ainda há uma pequena contribuição, a de que, paulatinamente, os torcedores belicosos acostumem-se com os tempos, com a convivência dos diferentes, outra torcida, tudo. Sempre é engraçado quando a torcida do primeiro jogo, normalmente mais escassa, aglomera-se para simbolizar uma “organizada” e fazer coro com mais força, “secando” o rival na partida de fundo.

Debaixo do equatoriano solar, começou Botafogo. E colocou fogo mesmo. Com quase quinze minutos, o Botafogo já vencia por dois tentos. Vencia com autoridade, descendo as águas caudalosas do triunfo. O time de Friburgo só olhava, mal reagia, nem apelava para o expediente das pecaminosas faltas, felizmente. Ao final do primeiro tempo, ainda teve tempo para mais um gol. Foram três: Túlio, o bom Lúcio Flávio, o também bom Zé Roberto. Faltava o artilheiro Dodô em campo, com sua categoria, suas finalizações precisas, encantadoras. Mas o alvinegro seguiu impávido como se completo estivesse. Não tomou conhecimento da Serra. Digo que três foram poucos. Poderiam ter sido mais.

Quem pensou que o Botafogo estava para brincadeira, e que viria para cozinhar o jogo, enganou-se. Adentrou gramado feito um leão indomável de arena, querendo sangue do desafiante. É certo que o jogo estava ganho, mas o placar não era definido. Aumentou muito. E como.
Quinze minutos da etapa final, gols de André Lima e Zé Roberto, novamente. Cinco a zero, impiedosos, indiscutíveis. Depois, mais quinze minutos de calmaria, até que no terço final a goleada aumentou.Mais um gol de André Lima e outro, lindo, de Túlio, numa finalização esplêndida.

É preciso exaltar o time de General Severiano. Dedicaram-se, correram muito, disputaram a bola feito prato de comida, mesmo com o jogo ganho. Surpreendeu-me, por outro lado, a apatia de Friburgo – sempre trazem equipes mais do que dispostas, aguerridas, e o time serrano foi apático. Junte-se a força de um, mais a inércia de outro, a goleada é o resultado.

Jogo encerrado, e alguns botafoguenses apinharam-se num reduzido espaço da arquibancada verde, para malversar o Tricolor.

Foi em vão.

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O Tricolor entrou para encarar a Cabofriense, adversário que, nos últimos anos, tem causado agruras a Laranjeiras.

Antes do jogo, um grande momento. A torcida saudou carinhosamente Marcão, ídolo Tricolor, símbolo de raça e valentia por quase uma década, demitido erroneamente pelo antigo treinador Gusmão. Foi o grito que mais ecoou em todo o estado na tarde esportiva de ontem. Marcão. Marcão.

As coisas se complicaram inicialmente. Dezessete minutos, William ajeitou e bateu cruzado, fora do alcance de Fernando. Cabo Frio saiu na frente. E não se via no Fluminense, até então, a raça, pedida pela torcida nas arquibancadas. O gol serviu de agressão, e viemos para a frente, mesmo que carentes de uma maior organização. Doutro lado, os alvinegros restantes vibravam.

Foram quinze minutos de relativa pressão, até que num cruzamento, Cícero fez excelente pivot e Alex Dias encheu o pé para empatar o match. Jogávamos com raça, mas não exatamente bem, como devido.

Finalmente, veio o gol que já estava escrito, para salvar a tarde do estádio. Quase aos quarenta, Alex acertou um lindo drible no zagueiro dos Lagos e fuzilou o ângulo esquerdo de Gatti, que não é ‘El Loco”, o veterano argentino de La Bombonera. Um chute espetacular, que amansou as coisas e permitiu a descida tranqüila para o intervalo.

Joel testou Lenny no meio, e surgiram algumas boas jogadas, além de uma bola na trave. Ao colocar Carlinhos, reparou a injustiça de tê-lo sacado. No primeiro chute, o lateral acertou um petardo, no meio do gol, sem chance para Gatti, e sacramentou a vitória. Três a um.

Não foi uma grande exibição, e mínima diante da preliminar botafoguense. Foi um resultado para o gasto, para as necessidades. No saldo da tarde, o Botafogo foi continental, e nós, pequena ilha rudimentar.

Entretanto, domingo, enfrentam-se Botafogo e Fluminense.

E então poderemos ver que realmente tem a lenha para queimar, e incendiar o campeonato.
Será um jogo sem rodada dupla. Sem preliminar. Mas a partida de fundo já diz tudo. O clássico centenário do Brasil. O Glorioso e o Tricolor. Quem viver, verá. Quem morrer, também.
Paulo Roberto Andel, 12/03/2007

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