Monday, February 26, 2007

A quase novidade

Depois de dias de incerteza, o Tricolor anunciou o nome de seu novo treinador: Joel Santana.
Não era o primeiro de uma lista de urgência, nem o segundo. Iniciaram com Tite, um dos pioneiros da linhagem de ternos à beira-campo e entrevistas quase incompreensíveis, recheadas de palavras heterodoxas no meio futebolístico. De qualquer forma, é um treinador razoável; não será jamais um Tim, um Telê ou um Zezé Moreira, mas talvez desse para o gasto. Houve complicações e não fechou. Eu, particularmente, simpatizo com a idéia de que os treinadores do Tricolor sejam identificados com o manto das Laranjeiras, que conheçam os caminhos de Álvaro Chaves. Nada impede que um, digamos, "estrangeiro", seja bem sucedido no cargo. Porém, o vert, blanc, rouge é especial e não pode servir de estágio probatório para iniciantes, por exemplo. Não seria o caso de Tite, naturalmente, mas não o vi como um nome de peso para o Fluminense.
Tite excluído, nova trapalhada da diretoria. Buscaram Renato, apalavrado e compromissado com o Vasco. Tentaram ganhar com a força do dinheiro, mas não é assim que se dobra um Portaluppi - e, claro, não deu certo. Mais uma bola fora. Reparem como os estilos de Renato e Tite são absolutamente díspares: pelo visto, os nomes surgiram levando-se em conta qualquer coisa que não fosse o conjunto de métodos de trabalho.
Finalmente, anunciaram Joel Santana. Apesar de ser um treinador com bons resultados no futebol carioca, e muito enaltecido por parte da crítica esportiva, há alguns anos não consegue ser vitorioso no Rio. E também tem uma trajetória bastante limitada em termos de competições em outros estados ou em caráter nacional. Joel está no pôster dos campeões de 1995 nas Laranjeiras, o título mais emocionante que o Fluminense ganhou em toda a
sua era profissional. Renato, líder da conquista, é tido em Laranjeiras como um herói, um mito inatingível. Por que Joel também não tem os mesmos louros, sendo que é rejeitado por boa parte dos apaixonados pelo Tricolor?
Simples. No mesmo ano de 1995, o Tricolor não somente ganhou o campeonato do século, como também chegou às semifinais do campeonato brasileiro - até ali, tudo correndo bem. Jogou a primeira partida contra o poderoso Santos, numa quarta-feira, e aplicou sonora goleada de 4 x 1 no jogo de ida, disputado no Maracanã. Havia o que se comemorar: mesmo com o poder da Vila Belmiro, o resultado foi esplêndido e, se o jogo de volta fosse disputado em condições normais, dificilmente o Tricolor não disputaria o título. A vantagem de dois saldos iguais era santista e, desde quarta, passou a ser preciso uma vitória alvinegra por três gols. Difícil para os paulistas.
Veio quinta e coisas estranhas aconteceram em Laranjeiras. Joel não deu o treino de tarde, e houve certa confusão porque surgiu a acusação de que teria passado a tarde com Kleber Leite, então presidente do Flamengo, acertando seu contrato com a Gávea para o ano seguinte. A balbúdia e o bate-boca imperaram. Joel negou o encontro.
No domingo, com o lentíssimo Alê na zaga central, encarregado de vigiar jogadores como Marcelo Passos, Jamelli, Robert e o então esplêndido Giovanni, o Tricolor sucumbiu e permitiu que o Santos conseguisse o resultado esperado. Fizeram 5 x 2 e classificaram-se para a final. Nós perdemos a disputa de título mais certa de nossa história. Maliciosamente ou não, alguns homens de imprensa deixaram correr à boca pequena que Joel, na beira do campo, gritava pedindo calma ao time, que já tinham feito demais em chegar até ali. O Tricolor tinha salários atrasados naquele momentos, mas isso sequer justificaria um recuo na dedicação dos atletas, que ganharam o Estadual da mesma forma, com débitos nas contas.
Acontecida a reunião ou não naquela quinta, o fato é que Joel deixou as Laranjeiras e realmente foi trabalhar no Flamengo. O Fluminense, acuado diante da crise, começou um ano titubeante, manteve-se muito confuso e, ao final da temporada e sob suspeição do campeonato brasileiro, acabou rebaixado de divisão. Muitos torcedores atribuem a Joel a confusão que levou o Fluminense para um buraco sem fundo. Coincidência ou não, num futebol como o brasileiro, com várias trocas de treinadores, Joel nunca foi cogitado para voltar às Laranjeiras até 2003, oito anos de silêncio. Torcedores mais exaltados lembraram 1995 e ele caiu menos de três meses depois da volta para, agora, surgir como a salvação e o aríete do "trabalho" para a temporada de 2007.
Errar é humano e, por vezes, o futebol costuma ser implacável com erros que, em outros âmbitos, seriam perfeitamente contornados; noutras vezes, reconheço, o futebol age com a justiça que também deveria ser de todos os homens. A torcida do Fluminense jamais criticou o bom trabalho de Joel Santana e nem desconsiderou o êxito que teve em um determinado período dentro do futebol carioca, fatos inegáveis a olho nu. O que jamais aceitou, como no melhor enredo rodrigueano, foi a possibilidade de traição, de despezar o Fluminense às vesperas de uma decisão. Se não aconteceu, tudo indiciou Joel naquela época, e ele jamais se defendeu. Agora, voltando para Álvaro Chaves, tem uma ótima chance não de conquistar resultados em campo, o que seria esperado de um profissional do seu quilate, mas sim de cicatrizar uma profunda mágoa que, passados pouco mais de onze anos, ainda não foi plenamente desvendada.
Paulo Roberto Andel, 23/02/2007

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