Monday, February 26, 2007

A sina

Escrevo hoje, ainda sob o impacto da recente vitória de virada do Madureira sobre o América, colocando o tricolor suburbano como finalista da Guanabara.
Uma partida surpreendente em termos de qualidade, dado o arábico calor, com times não necessariamente surpreendentes.
O time de Lamartine tem um bom conjunto, e vários jogadores experientes, com idades oscilantes. Bruno Larazoni, bom jogador que é perseguido pelo sobrenome, não é o que se pode dizer de um veterano. O mesmo vale para o goleiro Eduardo e o atacante Marco Brito - este, com pedigree das Laranjeiras. Mais antigos são o metrossexual - e bom jogador - Júnior Amorim, o zagueiro Júnior Baiano e o craque, craque Válber, cujo fim de carreira próximo incomoda qualquer torcedor que já testemunhou sua gigantesca categoria nos gramados.
Conselheiro Galvão nao fica para trás; por isso, o Madureira vem há vários anos montando bons times. Apesar da oscilação do zagueiro-zagueiro de Luxemburgo, Odvan, a categoria de Djair coordena os passes. Marcelo e Valdir Papel, ambos marcados por fracasso em times de maior expressão, são os artilheiros. Maicon, jogador razoável, ajuda fortemente o meio de campo.
O regulamento da competição define que as fases decisivas sejam jogadas no Maracanã, o que considero mais do que justo, primordial até. O que me incomodou foi ter visto um estádio tão vazio para uma cerimônia daquele porte. Não cabe o argumento de que ambos os times têm torcidas pequenas; bastava o bom senso no preço dos ingressos, estupidamente majorados, e também do lascinante calor à hora da partida, para atrair mais público. As pessoas gostam de futebol e, não raras vezes, dispõem-se a frequentar estádios para ver o futebol de boas equipes.
Falarei do jogo. Foi um bom primeiro tempo, não numa enorme correria, mas em ritmo bastante agradável para os expectadores. Apesar de não haver uma forte pressão com finalizações, o volume de jogo do América foi bem maior. Pela metade do primeiro tempo, inauguraram o placar, com um belo chute de Leandro Chaves, no ângulo esquerdo do goleiro Éverton. A partir de então, parecia haver uma consolidação: o Madureira era tímido nos ataques, e o América exercia seu bom toque de bola à busca de brechas em busca do segundo gol - o que quase conseguiu no final da primeira etapa, com um chute de Maciel que beijou o poste direito rubro. O América tinha relativo domínio, mas cadenciava o jogo, talvez influenciado pelo seu estilo nesta competição, que foi sempre o de buscar os contra-ataques; como o Madureira não vinha, paciência havia. Talvez aquele chute pudesse ter decidido o destino final da partida, o que acabou não acontecendo.
Veio a segunda etapa, e o excelente treinador Alfredo Sampaio (que jamais treinou times de grande porte no Rio, por ser mal-visto como eterno presidente do Sindicato dos Treinadores) fez o que se esperava: sacudiu o time. O resultado não poderia ser outro: perto dos cinco minutos, houve um ataque pela direita e a boa fase de Marcelo iluminou o gol: potente chute no canto e partida igualada.
O América acusou o golpe. Válber, muito cansado e gripado, foi substituído, e isso tirou a melhor saída em toque de bola da equipe. Por outro lado, também precisava atacar, ao contrário do que fizera durante todo o certame até ali: cabia-lha a iniciativa de jogo, e não a de contra-ataques. Pronto: o Madureira encaixou seu jogo. fcou à espreita, com arrancadas velozes e começou inclusive a pressionar a defesa americana. Mais ou menos dezessete minutos, outro jab: um escanteio, bola na área e Odvan, ao seu melhor estilo, acertou a bola com a parte de cima da cabeça, vencendo Eduardo e virando o jogo para Madureira.
O tempo ainda era longo, mas o América ficou estonteado, acuado, e não conseguiu mais se acertar em campo. Parecia a sina de muito tempo atrás, quando esteve decidindo semifinais de campeonatos brasileiro, ou mesmo a Guanabara do ano passado (embora, justiça seja feita, os rubros tenham sido prejudicados por um pênalti clamoroso àquela ocasião, não marcado a seu favor, quando venciam pelo escore mínimo). Houve um branco, uma pane, o bom time do América esfacelou-se pelos vinte minutos seguintes, às vezes erguendo cruzamentos, noutras com chutes de longa distância, mas sem ameaçar a vitória amarela.
A bola na trave de Maciel, bem-chutada mas não convertida, custou caro aos de Campos Sales, ou Edson Passos. E se entrasse? Dois tentos garantiriam a vaga na final? Vá saber. Foi a sina, a maldita sina.
Na saída, foi emocionante ver os velhinhos, com suas camisas encarnadas de outrora, lamentando o resultado mas já comentando as chances (reais) do segundo turno, a Taça Rio. O torcedor do América é, por natureza, um forte. Tentaram implodir seu time, não deixaram. E não são apenas velhinhos: há crianças também, muitas. O América vive.
Também foi bonito ver os jogadores do Madureira, muitos já com muitas léguas de futebol profissional, vibrando como juniores, abraçados, após o término do jogo. Afinal, seja onde for, em qual campo for, com o time que for isso é futebol. E, sendo futebol, sempre é tempo de esperança e fé.
Haja o que houver na partida de amanhã, o vencedor terá dificuldades ao encarar o Madureira nos dois jogos. E o América é, desde já, potencial canditado ao segundo turno.
Seria melhor ainda que ambos mantivessem suas equipes para a terceira divisão do campeonato nacional, pois certamente teriam grande chance de ascender à segunda, consolidando o atual estágio de qualidade.
Paulo Roberto Andel, 24/02/2007.

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